Sou uma entusiasta do parto natural. Ele proporcionou-me um protagonismo que não seria possível em parto por cesárea. Mas, mesmo havendo mulheres assim como eu, que sabem de que ter os filhos pela via vaginal é o melhor para a mãe e para o bebê, mais da metade dos nascimentos acontecem via cesariana. Entre as que têm convênios e as que pagam pelo parto, o número ultrapassa os oitenta por cento.
A Organização Mundial da Saúde afirma que somente 15% das cesáreas são necessárias. As doulas são pessoas treinadas para ajudar as gestantes antes, durante e após o parto, para que ele seja realizado o mais natural possível, por pressuporem que as mulheres sabem parir. E elas estão sendo procuradas com muita frequência.
Conheci algumas doulas pessoalmente, ouvi relatos sobre outras. O sentimento que despertam em mim é de um profundo respeito, por acreditar estarmos dando uma reviravolta em uma seara sagrada, que costuma normatizar os corpos, principalmente os corpos das grávidas. A medicina não costuma ouvir a voz das mulheres que não querem ter seu útero invadido por facas ou bisturis, sem que seja absolutamente necessário. Ela também não quer reconhecer as doulas como mulheres interessadas no bem estar das gestantes, no acolhimento carinhoso dos bebês que querem nascer ouvindo a voz de suas mães, o afago sem pressa de quem não tem medo de esperar o tempo subjetivo de cada mulher livre para escolher sobre si e sobre seu bebê.
Há quem compare essa onda de liberdade de escolha e de procura por protagonismo pela própria vida, com a recusa de alguma religião que não admite transfusões de sangue, o que permite a intervenção da justiça em casos extremos. A escolha das grávidas não é uma afronta aos dogmas da medicina, mas uma tentativa de intervir, de questionar, de ter o filho quando ele estiver realmente pronto para vir ao mundo. A mulher espera que seu bebê e que seu corpo deem os sinais de que está na hora.
Mas a realidade hospitalar é a realização de operações em profusão em vésperas de feriados, antes de finais de semana, antes de congressos. Os argumentos me cansam, por que não variam. O bebê é muito grande; há pouco líquido; não há dilatação ainda; já tem uma cesárea então o útero pode romper-se; temos um domínio total da técnica, que a cirurgia permite um controle muito maior.
Eu dou um viva às doulas, mesmo que estejam substituindo as vovós, o que pra mim é bem pesado. Elas são um contraponto à ditadura de um poder incontestável, que lota hospitais, que invade úteros saudáveis e arranca bebês que poderiam ainda estar boiando dentro de seu ambiente natural e incomparável.
O mais difícil, o mais estressante, o mais quase impossível é encontrar um médico que seja suficientemente sensível para aceitar atender a um parto domiciliar. Mas conheço gente que teve que viajor, hospedar-se em outras cidades onde encontraram médicos dispostos a ajudá-las e todas foram muito bem sucedidas.
As mulheres de parto natural são heroínas pós modernas, que aceitam seus corpos, que aceitam as dores suportáveis, que não abrem mão de ter uma atuação ativa para o nascimento dos filhos que ela alojou por tantos meses dentro da barriga e, na maioria das vezes, deve continuar inteira, sem costuras. Essas mulheres agora também podem ter seu períneo íntegro, desde que permitam que a mãe escolha a melhor posição de ter seu filho com mais conforto. As episiotomias já estão sendo ao menos questionadas, quando não abandonadas.
Ah! As ditaduras aos poucos estão dando lugar ao diálogo, ao respeito. Isso é tudo de bom. Vida longa às doulas e às mulheres de visão alargada e que são donas dos seus úteros. E vida longa aos médicos e médicas que sabem intervir a tempo de evitar heroísmos que se situam entre o parto e a cesariana. Ou é uma coisa ou é outra, o que fica no meio é desnecessário.