O aborto e saúde da mulher brasileira

Por Sandra Franco

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A saúde da mulher brasileira é sempre pauta de discussão, principalmente quando se toca em alguns problemas como o aborto. O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mostra que uma mulher morre a cada dois dias e meio no Brasil após realizar um aborto.

O tema trouxe polêmica há pouco tempo, depois que ganhou as redes sociais. Uma ação, aparentemente espontânea, trouxe mães e gestantes publicando fotos de gravidez se posicionando contra o aborto, sob a hashtag ‘#desafiocontraoaborto’.

A campanha surgiu juntamente com as declarações do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recém-eleito presidente da Câmara, que afirmou ser radicalmente contra a votação de qualquer projeto que discuta a descriminalização do aborto. De acordo com o Código Penal Brasileiro, promulgado em 1940, o aborto induzido é considerado crime e só é permitido pela legislação em casos de estupro e quando a mãe corre risco de vida. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou uma jurisprudência em que o aborto pode ser realizado nos casos de fetos anencéfalos.

O debate nas redes sociais só afirma que sendo a prática proibida, mas difundida, sua criminalização é questionada por diversos grupos, justamente pelo grande aumento da procura por clínicas clandestinas ou por métodos caseiros. Essa afirmação é reforçada por dados da Universidade de Brasília (UnB) que revelam que mais de uma a cada cinco mulheres, antes de completar 40 anos, já interrompeu a gravidez.

Em abril de 2005, a Organização Mundial de Saúde (OMS) informou que o número de casos de gravidez não intencional ou indesejada é estimado em 87 milhões por ano em todo o planeta. Mais da metade dessas mulheres (46 milhões por ano) recorre ao aborto induzido, sendo que 18 milhões o fazem sem condições de segurança. Anualmente, 68 mil mulheres morrem no mundo em consequência desses abortos desassistidos.

Em 2013, as mulheres passaram a ter a garantia de que o atendimento deve ser “imediato e obrigatório” para questões de aborto em todos os hospitais do SUS, conforme dispõe a lei 12.845. Essa norma foi sancionada pela presidente Dilma Roussef para assegurar atendimento médico a mulheres vítimas de violência sexual. Causou polêmica imediata, principalmente nas bancadas evangélica e católica no Congresso Nacional, por prever a “profilaxia da gravidez” — a mais comum é a pílula do dia seguinte — e o fornecimento de informações sobre a possibilidade legal de aborto em caso de estupros.
Sob o aspecto da saúde e políticas públicas, não se poderá abandonar o conceito da prevenção e educação, quando possível. Na maioria das vezes, a opção pelo aborto decorre da falta de planejamento da gravidez associada a fatores sociais como ignorância, planejamento familiar, escassez de recursos e grande número de filhos. Para alguns, o Direito Constitucional (e natural) à vida do feto precisa ser respeitado. E a autonomia da mulher? Qual deve ter mais peso? Nenhum direito é absoluto, portanto, se o feto tem o direito de nascer também teria o direito a uma vida digna, a qual, em tese, é afastada quando diante de uma gravidez indesejada.

Outro aspecto científico e importante para entender os limites do Direito reside em não haver um consenso objetivo acerca do momento em que surge a vida: se da fecundação, da nidação, do bater do coração, do estado do feto, da formação do sistema nervoso central, da capacidade de ser consciente de si próprio, do nascimento, ou do nascimento com respiração.

E dentro deste contexto é importante destacar que a saúde da mulher deve ser respeitada, independente da situação, pois sua dignidade está afetada, em especial, pelos fartos casos de abortos clandestinos, esterilidade pela perda do útero, traumas psicológicos irreversíveis por condições degradantes dos locais e a morte de muitas mulheres.Desta forma, a descriminalização do aborto deve ser discutida fora de qualquer cunho religioso ou político, e sim como uma questão de saúde pública. Necessário que os profissionais da saúde em conjunto com a sociedade e os legisladores discutam regras claras, de maneira interdisciplinar para que a saúde da mulher brasileira seja preservada, seja qual for o tema.

Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, é presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública –[email protected]

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