Em março de 1947, uma patrulha da polícia foi chamada por alguns vizinhos para verificar denúncias de mau cheiro que emanava de um prédio localizado na esquina da Quinta Avenida com a 128th Street, em Manhattan (Nova York). A residência pertencia aos irmãos Collyer, figuras conhecidas, mas pouco presentes da comunidade. Chegando ao local, os policiais encontraram os irmãos mortos de modo curiosamente estranho, despertando interesse acerca das mortes. Homer, 68, e Langley, 62, estavam soterrados por aproximadamente 140 toneladas de objetos, cuja remoção pelo corpo de bombeiros durou praticamente duas semanas.
O fato despertou a curiosidade da vizinhança e de autoridades locais, ganhando repercussão a nível nacional. Na época, poucos especialistas de saúde mental se manifestaram acerca do distúrbio que acometia os irmãos Collyer, fazendo com que acumulassem tantas coisas. Homer e Langley ficaram amplamente conhecidos nos Estados Unidos como acumuladores compulsivos (do inglês, hoarders), considerando o comportamento que manifestavam. Aparentemente, julgando-se a quantidade de itens removidos da sua mansão, constatou-se que os Collyer coletavam itens de maneira constante e descontrolada, sugerindo que eles nunca se desfaziam dos seus objetos.
Durante muito tempo, o comportamento de coletar e acumular objetos tem sido percebido em diversas culturas ao redor do mundo, tornando-se justificável em momentos de privação material. Trata-se de uma conduta frequentemente encontrada na população em geral, mas que em escalas excessivas pode acarretar sérios prejuízos, configurando-se como uma psicopatologia. Somente há pouco tempo que esse quadro assumiu características próprias, passando a ser classificado como um diagnóstico psicológico independente denominado de Transtorno da Acumulação (TA).
O TA refere-se a um distúrbio grave que acomete aproximadamente 4% da população geral. Para a consolidação do diagnóstico, os principais sintomas remetem-se à necessidade de coletar objetos ou animais de forma excessiva e descontrolada, a dificuldade ou sofrimento em desfazer-se das posses e, consequentemente, problemas de obstrução e desorganização associados ao ambiente de convívio. Na maioria das vezes, o surgimento dos sintomas ocorre no início da idade adulta ou no final da adolescência e geralmente afeta pacientes do gênero masculino, sozinhos e na meia idade, que não possuem relacionamento afetivo.
Os itens coletados podem ser os mais variados, incluindo jornais, revistas, caixas, livros, objetos específicos e até mesmo animais, entre outros, cuja quantidade varia de dezenas até centenas ou milhares, de acordo com a gravidade do transtorno. Na maior parte dos casos, os pacientes que acumulam não conseguem proporcionar as condições mínimas de organização, comprometendo o espaço de convívio, a higiene e a segurança do local em que habitam, o que pode ocasionar sofrimento significativo para si mesmo e seus familiares.
Para a maioria das pessoas, os objetos coletados não possuem valor financeiro aparente de modo que a sua acumulação e retenção esteja associada com o valor afetivo que apresentam para o paciente. Frequentemente, sujeitos que acumulam de maneira compulsiva, isto é, excessiva e repetitiva, imaginam que os itens coletados poderão servir a algum propósito específico no futuro – o que nunca ocorre. Qualquer possibilidade ou ameaça em desfazer-se dos objetos provoca intensa ansiedade, gerando resistências e dificultando a aderência ao processo de tratamento.
Normalmente, as abordagens terapêuticas mais indicadas para o TA envolvem a conduta medicamentosa e a psicoterapia. Pesquisas recentes demonstram a efetividade da abordagem de terapia cognitivo-comportamental (TCC), na qual o paciente é incentivado a avaliar e corrigir pensamentos, comportamentos e sentimentos disfuncionais: neste caso, o hábito de coletar e acumular objetos, proporcionando melhoras significativas na sua sintomatologia.
Diego Rafael Schmidt – Psicólogo, Pós- graduando em Avaliação e Diagnóstico Psicológico pela Faculdade Meridional/IMED
Cristina Pilla Della Méa – Psicóloga Clínica, Professora da Escola de Psicologia e do Curso de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental da IMED, Mestranda em Envelhecimento UPF