Em 26 de dezembro de 2012 Elisângela Meireles, de Dois Irmãos das Missões, foi submetida a um transplante de fígado e recebeu uma nova chance de vida. Em dezembro de 2014, no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) de Passo Fundo, ela deu a luz ao seu segundo filho, Nilmar. E assim a vida renasceu novamente. Esta é uma das histórias de pacientes transplantados de fígado que marcam os 15 anos da Equipe de Transplante Hepático do HSVP. Neste período foram transplantados mais de 200 pacientes, que graças à doação de órgãos e ao empenho e dedicação da equipe, tiveram suas vidas transformadas. O HSVP foi o primeiro hospital do interior do Brasil a realizar transplantes de fígado e ainda hoje, Passo Fundo é a menor cidade do país a efetuar o procedimento.
O chefe da Equipe de Transplante Hepático do HSVP, cirurgião Dr. Paulo Reichert conta que foram 10 anos de preparação para abrir o serviço, esperar pela liberação da credencial, treinar o pessoal, listar pacientes, organizar a estrutura hospitalar clínica, cirúrgica, de enfermagem e apoio. Estes anos foram de evolução. Dentro desse período uma das dificuldades foi o credenciamento do hospital junto ao sistema. Segundo Reichert, havia uma resistência da secretária estadual de Saúde, por se tratar de um procedimento de alta complexidade para ser realizado no interior. “O hospital e a equipe estavam prontos, a comunidade e os jornais apoiavam. Foi quando o deputado Paulo Pimenta, em visita ao hospital, levou os recortes dos jornais até o governador do estado e assim conseguimos a liberação”, descreve o cirurgião.
Efetivamente, em junho de 2000 iniciou os transplantes de fígado. “A primeira receptora, Dona Marina, faleceu sete dias após o transplante. Fomos para o segundo sob enorme pressão. Deu tudo certo. Seu Geomocy Ribeiro Vaz de Oliveira, que foi o receptor, está com 77 anos e bem”, salienta Reichert, destacando ainda que naquele ano foram feitos mais outros dois transplantes, também de passofundenses que hoje, estão bem.
A experiência da equipe adquirida ao longo de 15 anos é um ponto forte. O serviço trabalha de forma ininterrupta, sendo um dos poucos do país a atuar desde a criação. “Nem só de alegrias vivemos nestes 15 anos. Tivemos perdas tristes, pois é um trabalho difícil. Estamos com a equipe bem estruturada, apesar de ter mudado bastante nos últimos anos. A medicina e as tecnologias evoluíram, o hospital também cresceu, assim como a região”, constata o cirurgião.
Quanto ao perfil dos pacientes, Reichert informa que os transplantados são do norte gaúcho e oeste catarinense. Entre eles, algumas crianças também já foram transplantadas. A maioria dos procedimentos ocorrem em função das complicações da cirrose, especialmente decorrentes do vírus B, bastante incidente nesta região. O vírus C continua sendo um grave problema que, segundo o especialista, levou a muitos transplantes. Em razão da legislação privilegiar a pontuação para o câncer de fígado, a maior parte dos transplantes são indicadas para tumores de fígado.
Outro fato importante para a história dos transplantes foi que antes de 2006 existia a chamada fila única e, a partir desse ano, o critério passou a ser por gravidade. “Atualmente, a chance do paciente que é listado em Passo Fundo realizar o transplante é de 50%, sendo que os outros 50% ainda morrem na fila, antes de realizar o procedimento. Lembrando também que a distribuição dos órgãos é estadual”.
“O transplante é um gol aos 44 do segundo tempo”
Reichert conta que ao longo desses 15 anos sempre foi necessário muita dedicação e voluntarismo, visto que o transplante é um trabalho árduo. Ele relata que muitas vezes são acordados de madrugada, pois os transplantes não têm dia e nem horário marcados para acontecer. Além disso, o especialista destaca que os doadores pioraram em questões de saúde, e que os números de doadores estão estanques. Em contrapartida, o que aumentou foi a procura pelo transplante. “Para nós são 25 anos entre preparação e atuação. É muito gratificante ajudar os transplantados, ver suas histórias e que boa parte deles voltou a trabalhar e possuem qualidade de vida”, enaltece o cirurgião.
Entre alegrias e tristezas, Reichert relata que é uma felicidade enorme quando há vitórias e uma grande tristeza quando perde-se algum paciente. “O paciente transplantado é diferente. Nós o acompanhamos, cuidamos, tratamos e o transplante é um gol aos 44 do segundo tempo, na final do campeonato. Pode dar certo, ou não. São extremos. Por isso, o transplantador tem que realizar o transplante, reunir forças na perda, para continuar com o trabalho”.
Muitos profissionais estão envolvidos nos transplantes. O cirurgião destaca que muitos, assim como ele, estão desde o início. Outros passaram pela equipe e contribuíram para a história. “Devemos a parceria de muitos profissionais da enfermagem, nutrição, fisioterapia, farmacêuticos, assistentes sociais, instrumentadores, psicólogos, entre tantos outros. Essa atividade não é só a cirurgia do transplante em si, são muitos profissionais envolvidos antes, durante e após o procedimento”, evidencia.
Os desafios continuam
O Hospital São Vicente de Paulo participou de um levantamento no Brasil sobre os resultados de transplantes por ecocarcinoma. Segundo Reichert, a USP apresentou os dados, mostrando que no Brasil 64% dos transplantes têm bons resultados, sendo que no HSVP, 75% dos transplantes ocorrem bem. Para Reichert, isso prova que o HSVP tem resultados semelhantes aos grandes centros.
Quanto aos desafios, “necessitamos de medidas de prevenção, mais vacinas para hepatite B e com certeza, os novos medicamentos que estão chegando no Brasil para a hepatite C vão refletir, a médio prazo, na diminuição da fila para transplantes”.