Medicamentos psicotrópicos, como antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos são amplamente utilizados no mundo todo. Seu consumo tem aumentado a cada ano e as consequências são sentidas também na natureza. Com o objetivo de verificar essas reações no ambiente aquático, a Universidade de Passo Fundo (UPF), por meio do Programa de Pós-Graduação em Bioexperimentação (PPGBioexp), o Programa de Pós-Graduação em Farmacologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e o Laboratório de Neuroquímica e Psicofarmacologia da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) realizaram a pesquisa intitulada “Acute exposure to waterborne psychoactive attract zebrafish” (Exposição aguda a drogas psicoativas atraem o zebrafish).
O aumento da presença dessas substâncias é monitorado especialmente em áreas urbanas, águas com resíduos hospitalares, efluentes e tratamento de esgoto, superfície e água potável. De acordo com a pesquisa, a principal preocupação é que esses contaminantes possam causar toxicidade, afetando, de forma indireta, a saúde dos seres humanos e também dos animais. Além disso, muitos desses fármacos são resistentes a tratamentos e são apenas parcialmente removidos.
A pesquisa foi desenvolvida pela equipe de pós-graduandos do Laboratório de Fisiologia de Peixes da UPF, integrando os estudos de doutorado de Murilo Abreu, sob a orientação do professor Leonardo José Gil Barcellos.
Resíduos de medicamentos psicotrópicos atraem os peixes?
Os medicamentos mais prescritos e, consequentemente, mais encontrados em ambientes aquáticos incluem diazepam, clonazepam, fluoxetina, buspirona e risperidona, entre outros. Embora as concentrações desses medicamentos em ambientes aquáticos sejam mais baixas do que as concentrações letais para a maior parte das espécies presentes nesses ecossistemas, estudos têm demonstrado que as concentrações encontradas em órgãos como cérebro, fígado e músculos são mais elevadas do que aquelas encontradas na água, em função da exposição a ambientes contaminados.
Depois de constatar que essas drogas são perigosas para a vida aquática, os pesquisadores buscaram respostas para saber se elas são capazes de atrair ou repelir os peixes, mudando o seu comportamento. Para testar essa hipótese, peixes-zebra adultos foram colocados em uma câmara que permitiu que os peixes evitassem ou procurassem nadar em espaços contendo água limpa ou contaminada. “Isso permitiu a avaliação da atração e da aversão no peixe-zebra exposto à contaminação aguda desses compostos”, explica Leonardo Barcellos, que participou da pesquisa e está à frente da Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UPF. No primeiro experimento, peixes foram submetidos a essas substâncias, enquanto, no segundo experimento, peixes com as narinas anestesiadas (ou seja, sem o sentido do olfato) foram submetidos às substâncias, que foram atraentes ou aversivas na primeira experiência.
Resultados obtidos
No primeiro experimento, os pesquisadores avaliaram o tempo gasto nas áreas contaminadas e limpas, concluindo que a atração ou a aversão começou apenas no momento de contato com a droga. Segundo o levantamento, o zebrafish passou mais tempo nas pistas contendo diazepam, o que sugere que são atraídos pelo diazepam nessas concentrações. Semelhante atração foi encontrada para a fluoxetina, a risperidona e a buspirona. Essas respostas não foram constatadas em peixes sem olfato.
A pesquisa conseguiu demonstrar que algumas drogas psicoativas, como o diazepam, a fluoxetina, a risperidona e a buspirona, foram atraentes para os peixes e que a sua detecção na água acontece, provavelmente, através de olfato. “Esses resultados são muito intrigantes se considerados a partir de uma perspectiva ambiental, porque o peixe não evitaria a área contaminada como esperado; e sim procuraria esses locais”, ressalta Barcellos.
Impacto a longo prazo
E se os peixes realmente buscaram esses locais contaminados, o que eles estariam procurando? A hipótese principal da pesquisa é a de que as drogas foram atrativas porque os peixes estavam buscando um estado de bem-estar. De acordo com os pesquisadores, a razão pela qual ocorreu essa atração pode estar relacionada com as atividades nas áreas límbicas, do hipotálamo e do tronco cerebral, nas quais o sistema de recompensa aumenta.
Considerando os efeitos prejudiciais já relatados, em uma perspectiva ambiental, o estudo sugere que os peixes podem procurar (ou, pelo menos, não evitar) locais contaminados por resíduos de medicamentos. “Isso pode ser muito perigoso, uma vez que a captação e a bioacumulação de várias drogas nos peixes dependem do tempo e das doses. Um peixe que fica mais tempo na presença destes resíduos, tende a absorver maiores concentrações do que os que escapam de locais contaminados (drogas aversivas)”, observa, ressaltando que é difícil prever o impacto ambiental de resíduos de produtos farmacêuticos em peixes e ambientes aquáticos.