Consequências negligenciadas

Consumo de bebidas alcoólicas por jovens começa cada vez mais cedo e excessos podem trazer danos irreversíveis à saúde

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Do happy hour ao churrasco de domingo. É difícil imaginar um deles sem a clássica cerveja. Da mesma forma que um jantar romântico não existe sem uma boa taça de vinho. Consumir bebida alcoólica, hoje, é quase uma convenção social, tão natural quanto o cafezinho depois do almoço. Entretando, esse hábito que parece tão simples e inofensivo vem trazendo grandes prejuízos à saúde de muita gente, principalmente entre a população mais jovem, que muitas vezes ignora os sinais do excesso.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o álcool mata, todos os anos, cerca de 320 mil jovens e está entre as principais causas de adoecimento e morte no Brasil, de acordo com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Além disso, já está comprovado que mais de 60 tipos de doenças estão ligadas ao consumo de bebidas alcoólicas. Com tantos dados preocupantes, porque ainda se bebe tantoe cada vez mais cedo?
Para o psicólogo do Centro Integrado de Terapia Onco-Hematológica, Tiago Muza Rosa, o consumo de bebida alcoólica por jovens tem se tornado uma prática constante por diversos motivos: “a facilidade de acesso, embora haja legislação proibitiva para tal consumo, existe falta de fiscalização ou fornecimento por parte de pessoas maiores de idade; a relação possível entre a ingesta de álcool e o sentir-se pertencente ao grupo; a necessidade de autoafirmação, fazendo com que o ingerir a bebida, o jovem tenha a “sensação cultural”, de ser superior, precoce ou até mesmo, por que não dizer, descolado; os exemplos e a permissividade que muitos encontram na própria família e opor aí se vão os motivos”. Já o comportamento de beber, segundo ele, pode ser herdado, provocado, instigado pelos mais variados motivos e contextos. “o que não se vê com frequência, é o contrário, é o evitar o uso de álcool, para se dar um bom exemplo ou para não induzir ou influenciar no desenvolvimento desta prática”, lembra.

Álcool x Saúde

Apesar da naturalidade com que a substância é usada, o Chefe da Equipe de Transplante Hepático do HSVP, Dr. Paulo Reichert, ressalta que o álcool não é uma substância natural ao nosso organismo, ao contrário, só tem efeitos nocivos. “O álcool não é um metabólico do nosso organismo, é uma substância estranha, é uma toxina e faz mal para diversos tecidos: para o sistema nervoso, para o fígado ele é bastante tóxico, para o pâncreas, para o estômago, para o miocárdio”, destaca. Segundo o médico, em pequenas quantidades, o organismo é capaz de eliminar essas toxinas, mas tudo dentro de alguns limites. “À medidada que a pessoa extrapola, ele altera o sistema nervoso numa primeira fase da euforia, a pessoa de desinibe, muitos jovens usam o álcool como uma medicação, nesse sentido. Muitos são mais aceitos socialmente tomando a bebida, se soltam mais e por isso continuam usando, muitos depressivos bebem em uma tentativa de auto-medicação. No miocárdio ele é uma toxina e o coração, à medida que a pessoa vai tomando, vai dilatando”, alerta.
Reichert esclarece que uma ingesta ou outra não é suficiente para provocar a famosa cirrose. O que preocupa o médico não são aquelas pessoas que bebem ocasionalmente, mas sim aquelas que bebem todos os dias, já que o dano continuado é extremamente perigoso para o fígado.
Outro alerta feito pelo médico é que a forma como homens e mulheres reagem ao álcool é diferente: “a mulher metaboliza metade do álcool no estômago do que o homem, portanto ela absorve duas vezes mais. Uma moça que bebe uma cerveja é a mesma coisa que beber duas, é uma questão genética”. Por isso, mulheres devem ficar ainda mais atentas ao consumir a substância.

Como saber que algo está errado

De acordo com o médico, é muito difícil saber que algo está errado com o fígado, o órgão que mais sofre com os efeitos do álcool, já que ele não dói. Os sintomas, segundo ele, incluem indisposição e cansaço, que podem ser facilmente confundidos com os de outras doenças, como um simples resfriado, por exemplo. No entanto, é possível perceber alguns sinais de que algo está errado. “A resistência física diminui. Os pés incham e surgem as aranhas vasculares pelo corpo e muitas vezes nas mãos, a chamada palma hepática, ou então, a pele e os olhos ficam amarelados pela icterícia. O mais comum, porém, é o diagnóstico ser feito através de exames de laboratório de rotina”, destaca.

Existe uma forma correta de beber?

“Medicamente não existe benefício em beber”, lembra o médico. Entretanto, se você é daqueles que não abandona a cerveja, Reicher lembra que é preciso moderação. O ideal, de acordo com ele, é dar intervalos entre o consumo, de uma semana a quinze dias, tempo para que o fígado se recupere. Comer antes de beber é fundamental, além disso, ele recomenda beber muita água junto ao consumo de bebidas alcoólicas e de preferência, evitar bebidas destiladas que são muito mais fortes que as outras bebidas.

Destilados x Energéticos

Beber não é saudável, mas misturar bebidas destiladas com energéticos pode ser ainda mais nocivo ao seu organismo. Segundo o médico cardiologista integrante do corpo clínico do Hospital da Cidade de Passo Fundo, Vanderlei Magalhães da Silveira, a mistura de álcool com energéticos atua de maneira a estimular o corpo podendo acarretar em consequências graves como arritmias e alterações da pressão arterial. “No primeiro momento o energético minimiza os efeitos do álcool, mas na sequência pode levar a efeitos graves podendo ocorrer malefícios ao corpo, ao coração, ao fígado e ao cérebro com redução dos reflexos podendo ocasionar acidentes fatais”, lembra. A longo prazo, o cardiologista destaca que essas susbtâncias podem trazer danos mais graves ao corpo, provocando lesões ao organismo, algumas delas irreversíveis, como danos hepáticos e neurológicos.

O que acontece com o seu organismo quando você ingere álcool?

Num primeiro momento a bebida alcoólica age sobre o Sistema Nervoso Central, como estimulante, provocando uma sensação de euforia, de bem estar, de diminuição da ansiedade e melhora da autoestima, contudo, logo após vem os verdadeiros efeitos, que são depressores dessa atividade mental, onde se pode observar letargia, sonolência, fala arrastada, diminuição dos reflexos, diminuição da capacidade de concentração e consequentemente, diminuição da capacidade de juízo crítico, que leva adultos e jovens a apresentarem comportamentos que até então eram tidos como inadequados ou até mesmo fora de cogitação, aí vem agressões, condutas impulsivas, uso de outras substâncias como o cigarro ou até mesmo drogas ilícitas.

Como os pais podem ajudar

Para o psicólogo Tiago Rosa, o ideal é não estimular ou fomentar o uso, que por sua vez pode levar ao hábito. “Para isso, se faz necessário restringir a ingesta (para não dar o exemplo), não justificar o uso (bebi por que tinha sede, por que estava com calor, por que tenho problemas), monitorar os ambientes frequentados pelos jovens (identificar situações de risco, ou seja, acesso à bebida), observar o comportamento após o retorno de festas e demais atividades sociais (hálito, sonolência, olhos avermelhados) e sempre ter um bom diálogo, para que o jovem possa pedir ajuda, ou até mesmo buscar informações sobre o que está vivenciando, para sentir-se apoiado caso haja necessidade”, destaca.


*Colaboraram

Vanderlei Magalhães da Silveira - médico cardiologista integrante do corpo clínico do Hospital da Cidade

Tiago Muza Rosa - psicólogo do Centro Integrado de Terapia Onco-Hematológica do Hospital da Cidade

Paulo Reichert - Chefe da Equipe de Transplante Hepático do Hospital São Vicente de Paulo

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