Atenção aos sinais

Considerado problema de saúde pública, nove em cada dez suicídios poderiam ser evitados com diagnóstico e tratamento corretos

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Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) mais de 800.000 pessoas morrem a cada ano por suicídio, sendo a segunda causa principal de morte entre pessoas de 15 a 29 anos de idade. A cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio e cada suicídio tem um sério impacto em pelo menos outras seis pessoas.
De acordo com relatório divulgado pela OMS (2014) no Brasil, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 10,4% de mortes por suicídio, ocorrendo em 2012 o número de 11.821 mortes, sendo o quarto país latino-americano com o maior crescimento desta estatística. No Brasil, a mortalidade de pessoas com 70 anos ou mais é maior quando comparada às outras faixas etárias.
O suicídio é um fenômeno mundial, considerado problema de saúde pública, complexo, multifatorial e que na maioria dos casos podem ser prevenidos. Resultado de uma complexa interação de fatores de risco, o suicídio é também um mal que pode ser evitado. De acordo com a coordenadora da Comissão de Combate ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria, Alexandrina Meleiro, nove em cada dez suicídios poderiam ter sido evitados com diagnóstico e tratamento corretos dos transtornos. “A maioria das pessoas, cerca de 70% delas, dá algum tipo de sinal [de que pensa em tirar a própria vida], mas muitas vezes os sinais são banalizados. Frases como: a vida não vale mais a pena; melhor morrer; queria desaparecer são sinais de alerta. Esse alerta é um pedido de ajuda comum, pois todo suicida tem uma ambivalência: ele quer morrer porque quer fugir dos problemas, mas também quer ajuda”, explica a psiquiatra.
De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz, a maior parte das pessoas que pensa em cometer suicídio enfrenta uma doença mental que altera, de forma radical, a percepção da realidade e interfere no livre arbítrio. O tratamento da doença é a melhor forma de prevenir.
Quem convive com essas pessoas, como colegas de trabalho, parentes e amigos, são os que mais podem perceber os sinais de que alguém pensa em desistir da própria vida. “A pessoa mudou o comportamento, ficou mais triste, mais desanimado, passou a faltar o trabalho, não rende do mesmo jeito. São vários os indícios de reações depressivas ou quadros depressivos de maior severidade, que podem levar ao suicídio”, disse a psiquiatra. Ela aconselha que quem perceber esses sinais dê atenção, se disponha a ouvir e sugerir acompanhamento especializado, caso necessário.

Fatores de proteção
Profissionais preparados para lidar com essas situações, informar população, reduzir o acesso aos meios de execução e acompanhamento profissional podem evitar as mortes. “A espiritualidade também é considerada um fator de proteção. E não estamos falando em religião, e sim em crença, até ser ateu. Ter uma crença afasta a possibilidade de pensamentos suicidas”, acrescentou Alexandrina.
Para a especialista, a atenção básica de saúde deveria estar preparada para identificar sinais de alerta, ter familiaridade com o assunto e encaminhar o paciente para o serviço especializado, mas essa não é a realidade no sistema de saúde brasileiro. “O paciente com perfil suicida precisa de pessoas com familiaridade com o assunto. Muitas vezes uma palavra não positiva pode detonar o gesto suicida, cada vez mais o profissional tem que estar familiarizado com o assunto para ter a possibilidade de mudar um destino que poderia ser trágico daquele paciente”.
O conhecimento dos métodos de suicídio mais utilizados também é importante para a elaboração de estratégias de prevenção que têm se mostrado eficazes, como a restrição de acesso aos meios de suicídio.

Mitos e verdades
A Professora do Curso de Psicologia da IMED, Claudia Lampert, esclarece alguns mitos sobre o suicídio que podem levar a sua incompreensão e dificultam ações voltadas à ajuda, apoio e prevenção.

1. Quem fala ou ameaça não se mata: Mito.
Quem fala sobre suicídio pode estar pedindo ajuda e apoio. Mais da metade das pessoas que cometeram suicídio deram indícios que iriam fazê-lo.

2. A maioria dos suicídios ocorre repentinamente, sem advertência prévia: Mito.
A maioria dos suicídios é precedida de sinais de advertência verbal ou de conduta, contudo, alguns suicídios podem ocorrer sem aviso prévio.

3. O suicida está decidido a morrer: Verdade.
A maioria das pessoas que pensam em suicídios tem sentimentos ambivalentes acerca da vida e da morte, por isso, o acesso ao apoio emocional em momento propício pode prevenir o suicídio.

4. Uma vez suicídio, sempre suicida: Mito.
O maior risco de suicídio pode ser de curto prazo e especifico com uma determinada situação. Os pensamentos suicidas podem retornar, não são permanentes, e mesmo que quem já tenha tido pensamentos suicidas eles podem não retornar. Contudo, dependerá de apoio e acompanhamento terapêutico.

5. A melhora após a crise significa que o risco de suicídio acabou: Mito.
Muitos suicídios ocorrem num período de melhora, quando a pessoa tem a energia e a vontade de transformar pensamentos desesperados em ação auto-destrutiva. Por isso, a importância da manutenção do tratamento psicológico/psiquiátrico e do apoio familiar.

6. Só as pessoas com transtornos mentais são suicidas: Mito.
Um comportamento suicida indica uma infelicidade profunda, porém não necessariamente um transtorno mental. Muitas pessoas que possuem um transtorno mental não são afetadas por um comportamento suicida, e nem todas as pessoas que tiram a sua vida tem um transtorno mental.

7. Falar sobre suicídio não é uma boa ideia e pode ser interpretada como um estímulo: Mito.
Dado o estigma generalizado ao redor do suicídio, a maioria das pessoas que pensa em suicídio não sabe com quem falar. Em lugar de fomentar o comportamento suicida, falar abertamente pode dar a pessoa outras opções e o tempo para repensar sobre sua decisão, prevenindo assim o suicídio. Ainda, falar sobre o suicídio e as ideias que está tendo, ajuda a pessoa a se sentir acolhida por alguém que se interessa por seu sofrimento. Vale ressaltar que buscar ajuda profissional é importante após esse momento.

8. O suicídio é um ato de covardia ou de coragem? Nenhum dos dois.
Na verdade, o que dirige a ação de suicidar-se é uma dor psíquica insuportável.

Tristeza não é frescura
Três principais sinais de alerta para identificar quando uma tristeza passa a ser depressão de acordo com o psiquiatra e pesquisador do programa de transtornos afetivos (GRUDA) do Hospital das clínicas da USP, Diego Tavares:

1- Alteração no humor por pelo menos duas semanas
Quando o estado de humor se altera de forma persistente e diferente do temperamento normal da pessoa fazendo ela se sentir para baixo e sem esperança na maior parte do dia, quase todos os dias, por pelo menos duas semanas, pode estar ocorrendo uma desregulação cerebral de áreas relacionadas ao humor, impulsos (vontade) e energia. Esse quadro pode ser engatilhado por algum evento negativo na vida da pessoa ou pode aparecer espontaneamente. Não importa muito se o quadro apresentou algum "desencadeante" porque sabemos hoje que uma parte desses quadros se segue a um estressor psicológico ou de vida, mas muitos não. "Isso acontece porque cada vez mais sabemos que depressão pode ocorrer mesmo em pessoas que passaram por eventos aversivos ou negativos na vida, a diferença é que se a pessoa não tem predisposição a um transtorno do humor, o cérebro se adapta a situação estressora sem alterar seu funcionamento, ao passo que no depressivo, a vivência de estresse e tristeza normal se prolonga para um quadro persistente e distorcido que compõe junto com outros sintomas uma síndrome cerebral psiquiátrica que denominados de depressão", explica o médico.

2- Cansaço excessivo
Os níveis de energia da pessoa caem e ela se torna fadigada e sem forças, mesmo estando descansada e sem ter feito muita coisa, essa sensação persiste. "Tudo isso porque tanto a energia quanto a disposição física, estão no cérebro, que é o órgão responsável por fornecer o vigor físico e na depressão isso fica reduzido", comenta.

3- Sem vontade nem para falar
Os impulsos e a vontade do individuo ficam reduzidas. A pessoa fica mais indecisa pra fazer as coisas, procrastina tudo, se isola, não faz quase nenhum plano, se retrai mais, tem menos ânimo pra tomar banho ou se alimentar e normalmente fica sem vontade para falar, para interagir, para se divertir, para fazer exercícios e até para viver. "Esses sintomas indicam que a pessoa precisa de ajuda médica, já que ela não se sente bem por estar sentindo isso, mas não consegue dar a voltar por cima. O principal a entender é que pessoas com depressão devem ser tratadas como doentes, assim como aquelas que sofrerem de qualquer outra doença física, a única diferença é que depressão não é visível, como por exemplo, um pé quebrado que impede tanto quanto, uma vida normal", completa o psiquiatra.

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