Nem tudo é alegria

Tristeza, melancolia, ansiedade e até depressão, são sentimentos que muitas pessoas vivenciam em épocas de festa como a do Natal e final do ano

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Natal, final do ano, tempo de festa e alegrias. Reunião de família, encontro com os amigos. É só alegrias. Não, não é assim para todo mundo. A época do ano não é sinônimo de felicidade. Muita gente sofre a chamada depressão sazonal e é acomedita de tristeza, ansiedade e até mesmo depressão. Para tratar desde tema o Medicina & Saúde conversou com o médico psiquiatra Rogério Riffel, diretor do Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes (HPBM) e presidente da APPG (Associação Psiquiátrica do Planalto Gaúcho) federada da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). Acompanhe a entrevista que segue:

- É comum que algumas pessoas fiquem mais deprimidas nessa época do ano? Porque isso acontece?
Sim, é comum que algumas pessoas fiquem mais deprimidas nessa época do ano. Pois, esta é uma época em que as famílias se reencontram, e com isso, lembranças e perdas ao longo da existência daquela família, afloram a saudade e outros sentimentos de cunho melancólico. Por outro lado, também existem aquelas pessoas que sentem a época de Natal como uma época de renovação, de conciliação, uma época de reafirmar o amor entre as pessoas, com exercício da tolerância, da beneficência, da solidariedade. Um ano que se encerra, inaugurando outro que representa a possibilidade de corrigir os erros, projetar e colocar em prática novas ideias e planos.


- Até que ponto isso é algo passageiro, em função da época, fim de ano, ou pode ser sintoma de algo mais grave?
Os sentimentos são característicos da natureza humana. A tristeza, a alegria, a saudade, a raiva, a ternura, o egoísmo, a inveja, o amor, a paixão e tantos outros sentimentos estão dentro de cada um de nós. O que vai diferenciar é a forma como cada um administra estes sentimentos. Se uma pessoa tem uma maior tendência a perceber as situações pelo lado negativo, ou seja, valorizar mais os sentimentos negativos, as derrotas e as frustrações vividas em 2016, possivelmente, para 2017, projetará uma continuidade deste sofrimento, Por outro lado, existem algumas pessoas que conseguem ter um otimismo, mesmo nas horas de maior sofrimento, e isso alimentará uma esperança de renovação e um novo projeto de felicidade. A medida entre tristeza sentimento e tristeza doença está justamente no tempo de duração, a intensidade e o quanto isso influencia no dia-a-dia de cada um. Muitas vezes, características e tendências pessoais vão ser determinantes neste jogo, podendo em algum momento passar dos limites razoáveis e pontuais, para uma condição que imobiliza as pessoas, se generaliza, e as torna escravas deste sentimento, impedindo que percebam o lado positivo de todas as situações, que sempre existem, por piores que pareçam ser. Para algumas pessoas que lidam mal com seus sentimentos até o amor e a felicidade podem se tornar um problema.


- Como as pessoas podem identificar que estão com algum problema?
Muitas vezes as pessoas não percebem sozinhas, são as pessoas que convivem diretamente e relacionam-se com maior proximidade que acabam por perceber que algo mudou. Quando estamos envolvidos por sentimentos patológicos ou tendências ao adoecimento, muitas vezes estamos incapazes de perceber que algo passou do limite. Chamamos isso, tecnicamente, de juízo crítico, que muitas vezes está prejudicado e nubla a visão crítica sobre nossos atos e percepções de mundo. Três pontos são importantes para que possamos reconhecer este processo: primeiro contrariar a tendência de isolamento; segundo, cercar-se o mais possível de pessoas que nos façam bem, que se importem conosco e que, principalmente, nos queiram tão bem, a ponto de falar a verdade, não como uma crítica destrutiva, mas com o intuito de estender a mão e auxiliar a sair desta situação; e, por último, ter humildade suficiente para aceitar que isso está acontecendo e que, neste momento, está precisando de ajuda.


- O que as pessoas pode fazer para evitar que esses sentimentos surjam?
Sentimentos não são passíveis de ser evitados, mas, são possíveis de ser administrados. Somente o fato de reconhecer que o que estamos sentindo é humano, já é um bom começo para que isso não seja supervalorizado a ponto de se tornar a coisa mais importante da nossa vida.


- Qual é o papel dos familiares nesse caso?
Como foi dito anteriormente, a família tem um papel fundamental neste processo. É no âmbito familiar que existe a maior possibilidade de se encontrar pessoas que nutrem sentimentos positivos uns pelos outros. E cabe aos familiares um apoio e cultivo desses sentimentos positivos, correção das percepções distorcidas e o estímulo para construção de um projeto mais adaptado e gratificante. Menos materialidade e mais espiritualidade e sentimento, o que torna nossos projetos mais atingíveis.


- Fim de ano também é uma época de sentimentos de renovação, de que no ano que vem algo pode mudar. Que atitudes as pessoas devem ter para que realmente o próximo ano seja diferente?
A renovação deve ser compreendida na sua forma mais ampla. Renovar também envolve deixar para trás funcionamentos que não estavam dando certo, e substituí-los por formas diferentes de atuação. Não adianta dizer para si mesmo que vai ter um novo projeto de vida, se utilizar a mesma forma de funcionar, será o “velho de roupa nova”. Para isso é preciso coragem para mudar, humildade para reconhecer que estava no caminho errado e sensibilidade para cercar-se de pessoas que acreditem neste novo projeto somando forças e nutrindo sentimentos límpidos e verdadeiros.

 

- Por que as famosas listas e promessas de ano novo quase nunca são cumpridas? Como fazer para que sejam de fato cumpridas?
Os nossos projetos devem ser possíveis. Muitas vezes eu crio um projeto de vida mais baseado na vida do outro ou no que eu julgo que faz o outro feliz, e esqueço que o projeto deve ser meu, dentro da minha realidade. A felicidade é muito mais simples do que nós podemos imaginar e, às vezes, está mais próxima do que eu possa perceber. Uma pessoa que se liberte de sentimentos negativos como rancor, raiva, inveja, egoísmo e tantos outros, passa a viver mais leve. Objetivar realizações menos materiais, exercitar a solidariedade, o perdão e a gratidão, são formas de preencher a lista de objetivos com mais certeza de que vai conquistá-los. E, assim, ter maior chance de ser exitoso no projeto para 2017.

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