Glúten, lactose, ovos até pouco tempo atrás passavam despercebidos entre um alimento e outro. Uma mudança de comportamento recente, no entanto, vem cada vez mais transformando-os em vilões da saúde e da alimentação. O que acontece é que o número de pessoas diagnosticadas com algum tipo de intolerância alimentar parece só aumentar. Seja pela maior facilidade de diagnóstico ou mesmo por hábitos ruins de alimentação, cada dia mais surge alguma pessoa com algum tipo de restrição alimentar.
O que é intolerância alimentar?
As intolerâncias alimentares, ou chamadas também de sensibilidade não alérgica a alimentos, são, de acordo com a nutricionista do Hospital São Vicente de Paulo, Aline Calcing, reações adversas aos alimentos que não envolve o sistema imunológico e ocorre devido à forma como o organismo metaboliza o alimento ou os componentes do alimento. “Ela pode ser causada por uma reação tóxica, metabólica, digestiva ou idiopática a um alimento ou substância química contida no alimento”, destaca. Ainda de acordo com a nutricionista, qualquer alimento pode ser causa de intolerância alimentar, mas os alimentos que possuem um maior potencial de causar intolerâncias alimentares são leite e seus derivados (o açúcar do leite ou a proteína do leite), ovos, frutos do mar, tomate, morango, amendoim, nozes, soja, chocolate, vinhos e pimentas.
Os sintomas mais comuns de intolerâncias alimentares podem ser divididos em quatro tipos: os gastrointestinais que incluem dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, distensão abdominal, flatulência e má absorção; os cutânos que causam urticária, eczema, prurido (coceira) e eritema (inflamação da pele); os respiratórios, como asma, dificuldade para respirar, tosse e edema de laringe; e os sistêmicos, como anafilaxia, hipotensão arterial, disritmias, enxaqueca, cefaleia, fadiga e rubor.
Como é feito o diagnóstico
Segundo Aline, para que seja feito o diagnóstico, é preciso identificar o alimento ou o ingrediente alimentar suspeito, ou seja, é preciso provar que o alimento provoca uma resposta adversa. “A primeira ferramenta diagnóstica é a história clínica detalhada, seguida de exames adequados. Os testes bioquímicos podem excluir as causas não alergênicas dos sintomas.”, explica. Mas é preciso atenção, uma vez que esses exames não podem ser feitos de forma isolada, mas sim em conjunto com a história, exame físico e avaliação nutricional.
Em geral os exames utilizados na avaliação das reações adversas aos alimentos são: exames Sanguíneos; provocação alimentar: como o TPADCCP, onde o alérgeno é disfarçado e administrado por via oral e monitoram-se as reações do paciente – exame considerado padrão ouro para exames de alergia alimentar, entre outros; e testes cutâneos: em geral não podem ser utilizados como ferramenta diagnóstica única, pois podem gerar resultados falso-negativos;
Nova rotina
Uma vez comprovada a intolerância, o paciente passa a conviver com uma nova rotina. Aline explica que, quando diagnosticada a doença, é necessário excluir a ingestão desse alimento causador ou utilizar enzimas alimentares na posologia prescrita específica. O uso de medicação só deverá ser feito em caso de prescrição médica, quando for necessário. “Ao diagnóstico de alergias ou intolerâncias alimentares o paciente deve procurar atendimento nutricional especializado com o objetivo de sanar dúvidas em relação aos alimentos, adequar a rotina e traçar um plano alimentar específico ao diagnóstico, e que contemple as necessidades nutricionais de proteínas, carboidratos, lipídios, fibras, vitaminas e minerais, com necessidade ou não de suplementação”, ensina.
Mas nada de sair tirando alimentos do cardápio. O alerta da nutricionista é que a rotina alimentar só deve ser alterada se houver um diagnóstico médico preciso para identificar uma intolerância ou alergia alimentar. “Uma restrição alimentar feita, quando não necessária, pode promover deficiências alimentares, algumas irreversíveis, de macro e micronutrientes (vitaminas e minerais), bem como, já existem estudos comprovando que podem então desencadear intolerâncias tardias”, ressalta.
Aline lembra ainda que os sintomas de uma alergia tardia podem aparecer dependendo da relação entre a quantidade de antígeno (alimento alergênico) e anticorpo presentes na corrente sanguínea. Por isso, seguir uma dieta de exclusão, por exemplo sem leite de vaca e sem glúten, sem orientação profissional e de forma inadequada pode promover alterações no equilíbrio entre antígeno e anticorpo. “Esse desequilíbrio e o tempo inadequado de dieta pode gerar sintomas, que não eram sentidos pelo paciente antes. A recomendação indiscriminada para a restrição ao consumo de algum alimento, sem diagnóstico médico prévio, não encontra respaldo na ciência da Nutrição e está em desacordo com o Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar (2007)”, finaliza.
Entrevista
Medicina&Saúde - A intolerância alimentar pode surgir em qualquer idade ou é algo com que a pessoa já nasce?
Aline Calcing - A intolerância alimentar pode sim surgir em qualquer idade, chamada intolerância adquirida, pode ser ocasionada devido a deficiências de enzimas, deficiências no metabolismo ou cirurgias de intestino, por exemplo. Já a alergia alimentar estima-se que afete até 3,5% da população adulta, com maior prevalência na infância, quando é estimada em torno de 6%.
Medicina&Saúde - A pessoa pode deixar de ter intolerância alimentar depois de um tempo?
Aline Calcing - Em alguns casos sim, a intolerância pode ser aguda e após algum tempo o paciente não apresentar mais os sintomas da intolerância. Porém, deve ser acompanhada por um médico para realizar esse diagnóstico.
A alergia alimentar por leite de vaca, ovo, trigo e soja desaparecem, geralmente, na infância ao contrário da alergia a amendoim, nozes e frutos do mar que podem ser mais duradouras e algumas vezes por toda a vida.
Medicina&Saúde - Intolerância é diferente de alergia? Que diferenças são essas?
Aline Calcing - Sim, são diferentes. Enquanto a intolerância alimentar não envolve o sistema imunológico, a alergia alimentar já é uma reação adversa imunológica ao alimento. Na alergia, o sistema imune desencadeia defensivos químicos (mediadores inflamatórios) em resposta a algo (neste caso o alimento). O sistema imune identifica erroneamente o alimento como uma “ameaça” e monta um “ataque” contra ele.
Colaborou
Aline Calcing - Especialista em Nutrição Clínica e Estética, Nutricionista do Hospital São Vicente de Paulo e da Clínica de Nutrição LIFE
De olho no rótulo
Para não se perder ou correr riscos na hora de comprar qualquer produto industrializado, é importante lembrar da resolução (RDC 26/2015) aprovada no início de julho de 2016 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que prevê a listagem dos principais ingredientes alergênicos nos rótulos dos alimentos industrializados. Agora, os rótulos deverão informar a existência de 17 (dezessete) alimentos: trigo (centeio, cevada, aveia e estirpes hibridizadas); crustáceos; ovos; peixes; amendoim; soja; leite de todos os mamíferos; amêndoa; avelã; castanha de caju; castanha do Pará; macadâmia; nozes; pecã; pistaches; pinoli; castanhas, além de látex natural.
Assim, os derivados desses produtos devem trazer a informação: “Alérgicos: Contém (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)”, “Alérgicos: Contém derivados de (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)” ou “Alérgicos: Contém (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares) e derivados”.
Já nos casos em que não for possível garantir a ausência de contaminação cruzada dos alimentos (que é a presença de qualquer alérgeno alimentar não adicionado intencionalmente, como no caso de produção ou manipulação), o rótulo deve constar a declaração “Alérgicos: Pode conter (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)”.