O lugar da palavra no processo terapêutico

Por Tamires P. Decimo*

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Freud, conhecido como o pai da psicanálise, criou e desenvolveu este método terapêutico que consiste, basicamente, na cura pela palavra. Mas como assim, cura pela palavra, como é isso? Freud iniciou o tratamento de seus primeiros pacientes com a técnica da hipnose. Ele percebeu que quando seus pacientes acordavam do estado hipnótico, eles não se recordavam do que haviam dito, especialmente, dos fatos relacionados ao trauma. E que, portanto, se eles não se lembravam dos fatos, mas falavam sobre eles, eles deveriam estar registrados em um outro espaço que não a consciência. Então, Freud entendeu que era necessário que os pacientes tivessem consciência destes fatos para que pudesse tratar, efetivamente, os sintomas. Por fim, Freud abandona a técnica da hipnose e desenvolve a técnica psicanalítica baseada na associação livre, na qual o paciente vai falando livremente sobre o que ocorre em sua mente. O tratamento se dirige para tornar consciente, o conteúdo inconsciente e desta forma, curar o sintoma. Assim, nasce o tratamento psicanalítico: a cura pela palavra.
Faz-se necessário esclarecer que a cura pela palavra não se dá simplesmente pelo falar por falar, ou seja, por “desabafar” os problemas e as dores com colegas de trabalho, amigos, vizinhos, parentes e etc. A cura pela palavra vai se dar pela palavra falada em transferência, isto é, em relação com o analista, dentro de uma técnica e um aporte teórico. Em 1895, Freud teorizou a cura: “sofremos de reminiscências que se curam lembrando”. Com isso, Freud quis dizer que para dar novo sentido ao já vivido, para pensar, simbolizar e reconstruir a história de cada sujeito, é preciso repetir e colocar no presente aquilo que não pode ter um lugar psíquico no seu próprio tempo. O espaço de análise e de psicoterapia de orientação analítica inaugura algo ímpar: a possibilidade de o sujeito em sofrimento sentir-se ouvido e acolhido em sua dor e é a partir dessa relação com o analista que as palavras podem começar a circular de um jeito diferente, auxiliando o sujeito em sua reconstrução e ressignificação histórica. As vivências atuais causadoras de sofrimento, que levam o sujeito a procurar ajuda, estão ligadas ao conflito inconsciente, ou seja, a situações não elaboradas do sujeito, e a configuração do sintoma, portanto, é imprescindível que se analise a história do sujeito para chegar a causa, a origem de seu sofrimento e assim poder tratá-la.
Para que se possa inaugurar o espaço de um tratamento é preciso um sujeito que procure por esta ajuda por estar em sofrimento e de um profissional psicanalista que oferte essa escuta e que, em psicanálise, não é uma escuta qualquer, pois o analista se propõe a ouvir o que não é dito, na medida em que o paciente, com suas palavras, fala daquilo que quer falar e, sem saber, mostra indícios de seu material inconsciente captado pela técnica da atenção flutuante do analista. Para que se escute o indizível é necessário que o analista possa estar com a atenção flutuante, termo usado em psicanálise para designar a forma como o analista deve se comportar frente ao paciente, procurando ouvir tudo o que vem dele e que não é, necessariamente, da forma verbal. Esta escuta é oferecida de acordo com técnica e teoria fundamentadas na metapsicologia freudiana e evidentemente, na análise pessoal do próprio analista. Para escutar o paciente, é preciso que o analista já tenha se escutado e olhado para as profundezas dentro de si mesmo. Dessa forma, a escuta e a fala assumem um lugar central na psicanálise.
Este espaço também pode ser considerado um espaço de criação e ruptura: ruptura de antigos enigmas, de tudo aquilo que um dia foi aceito e inquestionável, uma ruptura necessária para alcançar novas e verdadeiras criações do aparelho psíquico; criações de novas respostas, de pensar o impensável, de questionar-se e duvidar, duvidar muito. Nesse sentido, a psicanálise trata de dores para as quais não há medicalizações, produtos milagrosos ou processos tecnológicos, mas, sim, fazendo uso do recurso simbólico precioso que temos: a palavra.

*Tamires P. Decimo é psicóloga clínica de orientação analítica

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