Diversidade sexual e gênero: desafios da contemporaneidade

A sexualidade como subjetividade advinda da história de cada sujeito

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Há muito tempo a cultura vem abrindo espaço para a circulação da diversidade sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, assexualidade, além das propostas de desconstrução de gênero (não binarismo), gênero fluído, trans homens e mulheres, entre tantos outros. Avanços legais, como o reconhecimento do casamento homoafetivo, da união estável entre pessoas do mesmo sexo, assim como o direito a adoção homoparental vem ocorrendo. Entretanto, o Brasil é um dos países com maior índice de intolerância e violência contra a diversidade sexual, a LGBTfobia. Então, ao mesmo tempo em que existe uma liberação social para que cada um possa exercer e usufruir de suas escolhas abertamente há, também, uma tendência discriminatória dominante no pensamento popular que marginaliza essas liberdades.

A nossa sociedade, por muito tempo, se balizou em uma heteronormatividade, pela qual o desejo sexual ditado como “normal” deveria ser satisfeito apenas através do encontro entre um homem e uma mulher e, desse modo, taxou como patológica qualquer outra forma de manifestação sexual. Sendo assim, a posição heterossexual assumia um lugar privilegiado na sociedade e as demais sexualidades acabavam estigmatizadas. Mas, o criador da psicanálise, Sigmund Freud, mesmo inserido no contexto histórico do final do século XIX e início do século XX, abordou, através da sua teoria da bissexualidade, que todo ser humano, no decorrer de sua constituição psíquica – constituição do seu ser –, é atravessado por questões masculinas e femininas oriundas das vivências infantis com seus cuidadores. Em 1935, em resposta a uma carta recebida de uma mãe preocupada com a homossexualidade de seu filho, escreveu: “A homossexualidade não é certamente nenhuma vantagem, mas não é nada do que se envergonhar, nenhum vício, nenhuma degradação; ela não pode ser classificada como uma doença”.

Olhando pela psicanálise

A psicanálise propõe a compreensão da sexualidade como algo que não se restringe ao biológico, uma vez que seu exercício está perpassado pela subjetividade advinda da história de cada sujeito. Levando em conta a ideia de uma constituição psíquica pautada em uma dependência vital que o bebê humano tem do adulto, essa relação tece registros singulares e inconscientes que, mais tarde, balizarão o caminho que propicie o exercício da sexualidade adulta. Partindo do pensamento do psicanalista francês Jacques André, não existiria sexualidade natural (biológica) e nem contranatural (patológica), mas sim a sexualidade humana, que é “des-naturada”, ou seja, não é controlada pelo instinto. Dessa forma, entendemos a sexualidade biológica como que “contaminada” por questões que são desconhecidas (inconscientes) ao próprio indivíduo.

Diante disto, é necessário refletirmos sobre as diferenças e relações existentes entre os conceitos de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual. O sexo biológico trata das características anatômicas do corpo humano (feminino ou masculino). A identidade de gênero, de como a pessoa se percebe: se do gênero masculino ou feminino ou ainda uma composição dos dois, independente de sua anatomia. Já a orientação sexual tem a ver com a “escolha” de objeto, ou seja, por quem o sujeito se atrai: homossexual (mesmo sexo), heterossexual (sexo oposto) e bissexual (ambos). Essa diferenciação nos ajuda a compreender a possibilidade de um desacordo entre o sexo anatômico e a autopercepção (gênero autopercebido) e nos permite pensar que, independente de um sujeito nascer biologicamente homem ou mulher, esse poderá obter sua satisfação sexual de forma saudável com qualquer outro ser humano, desde que isso não cause danos ou sofrimento a si mesmo nem ao outro. E, além disso, possibilita a compreensão das inúmeras possibilidades de identidades de gênero na medida em que estas vão além da dualidade homem/mulher.

Atributos da vida

Conforme Jean Laplanche, psicanalista francês, a identidade de gênero de cada pessoa tem sua origem naquilo que os adultos mais próximos, encarregados dos cuidados dessa criança, lhe atribuem nos inícios da vida. Essa designação do gênero não se trata de um processo pontual do momento do nascimento, mas é formada por um conjunto complexo de identificações masculinas e femininas que estão perpassadas pelos desejos inconscientes de seus cuidadores. Assim, também a orientação sexual de cada indivíduo não se constitui pela condição genética e reprodutiva, tampouco a atração por um ou outro sexo é considerada uma escolha voluntária, mas sim uma expressão do histórico vivencial de cada ser humano. Ou seja, é a elaboração que cada indivíduo faz das vivências de sua primeira infância – síntese da sua sexualidade infantil: os primeiros amores e primeiros ódios, vividos com os pais – que instalará, como um polo de atração, as preferências sexuais na busca de satisfação no encontro com o outro em território amoroso e erótico. Portanto, não podemos cometer o erro comum de generalizar os diferentes tipos de identidades e sexualidades como patologias, já que essas são arranjos possíveis para o exercício do prazer sexual, os quais foram organizados a partir de um complexo processo psíquico consolidado ao longo da infância através da relação com as figuras parentais.

Deste modo, buscamos compreender a diversa gama de identidades e sexualidades sem seguirmos a restrição heteronormativa, priorizando uma maior liberdade e respeito com as diferenças. Para afirmar nossa posição, recorremos ao que Freud escreveu em 1915: “No sentindo psicanalítico, o interesse sexual exclusivo do homem pela mulher (e da mulher pelo homem) é também um problema que exige esclarecimento, e não uma evidência indiscutível que se possa atribuir a uma atração de base química”. 

O NEPAGS – Núcleo de Estudos, Produção Científica e Clínica das questões de Gênero e Sexo – da Constructo Instituição Psicanalítica (coordenação Raquel Moreno Garcia) e consultoria de Jacques André, presidente Association Psychanalytique de France. Seus integrantes e autores desse artigo são Tatiane França – psicanalista – Clarissa Salle de Carvalho, Elvis Hermann Bonini e Mariana Lütz Biazi – psicanalistas em formação. 

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