O câncer é uma doença com muitas consequências. Uma delas é a perda de cabelos após o tratamento quimioterápico. Ao atacar as células ruins que estão em crescimento, também atinge as células boas, incluindo os folículos pilosos aonde se conectam os cabelos. É uma das situações mais difíceis de enfrentar no tratamento de um câncer, especialmente para as mulheres. Torna-se um momento que afeta a autoestima, exige apoio familiar e acompanhamento psicológico. É um período em que a doença fica explícita. No Instituto do Câncer Hospital São Vicente, além do acompanhamento profissional, também surge o apoio comunitário regional através de doações de lenços e perucas. Para compreender esse momento do tratamento, reunimos os depoimentos da psicóloga Janaina Reolon Biasi, do médico oncologista Luis Alberto Schlittler e da paciente Kelly dos Santos que, em duas situações, conviveu com a queda dos cabelos.
A PSICÓLOGA
Cuidando da autoestima dos pacientes
A psicóloga Janaina Reolon Biasi atua no Instituto do Câncer Hospital São Vicente. Acompanhando os pacientes, detectou o que significa a perda dos cabelos no tratamento.
- Ao enfrentar uma doença como o câncer, os pacientes são obrigados a lidar com uma série de particularidades que vêm junto com a doença. Existe um misto de sentimentos e emoções que são experimentados em todas as fases da doença, desde o momento do diagnóstico até mesmo durante o decorrer e finalização do tratamento. São muitos os efeitos colaterais presentes no tratamento oncológico, mas certamente algo que fragiliza e abala emocionalmente o paciente, principalmente as mulheres, é a perda do cabelo. É um momento de grande tristeza, pois além de afetar a autoestima, caracteriza “simbolicamente” o estado “doente” em que se encontra.
Reações diferentes
- Cada paciente reage de uma forma, o que vai ser influenciado pelos recursos emocionais, sua idade, suporte familiar e social da qual vai dispor para enfrentar esse momento. É fundamental que essas pacientes sejam assistidas do ponto de vista emocional, sendo compreendidas em suas reações e podendo ir à busca de soluções que possam amenizar esse momento de fragilidade. No Instituto do Câncer Hospital São Vicente, contamos com doações de cabelos, que através de uma parceria conseguimos reverter em perucas que são entregues às pacientes conforme a demanda de cada uma. Também contamos com a doação (da comunidade) e a produção de lenços, que também são entregues. Isso tudo, com o objetivo de amenizar o sofrimento emocional vivenciado pelo enfrentamento da doença, bem como a perda do cabelo, promovendo uma melhor adaptação e bem-estar durante o processo de tratamento.
O MÉDICO
Os tumores, a quimioterapia e os cabelos
Os tumores malignos são caracterizados pela replicação desordenada e rápida das células, com capacidade de crescimento e disseminação próprias. A quimioterapia ataca as células ruins, mas também atinge as células boas, inclusive os folículos pilosos aonde se conectam os cabelos. É por isso que acontece a queda do cabelo. Oncologista do Instituto do Câncer Hospital São Vicente, o Dr. Luis Alberto Schlittler explica que com a evolução dos medicamentos muitas drogas não provocam a queda do cabelo, mas cada medicamento tem percentuais diferentes de chances de o cabelo ser afetado. “Nos tumores malignos de intestino e estômago a queda do cabelo acaba sendo infrequente devido às características dos medicamentos. São adequados, potentes para aquele tumor, porém, são medicamentos que têm como características não afetar ou atingir a raiz do folículo do cabelo”, exemplifica o médico. “Algumas pessoas perdem somente algumas porções de cabelo, enquanto outras podem ter uma queda bem significativa, inclusive podendo ocorrer queda das sobrancelhas e dos cílios”.
Preparação
Com a queda dos cabelos, o paciente deve decidir o que é mais confortável e como se sente melhor. Lenços, chapéus, bonés, toucas ou perucas são opções. “Recomendamos que antes do cabelo cair o paciente possa experimentar estas possibilidades e preparar-se para esta situação. Assim, já estará se habituando com sua aparência e poderá deixar o “kit” pronto para o momento em que o cabelo começar a cair. Dentro de dois a três meses após a quimioterapia a cabeça estará coberta novamente. O cabelo poderá voltar com textura e coloração diferentes, mas geralmente retorna ao aspecto original ao longo do tempo”.
A PACIENTE
Cabelo é uma coisa supérflua que vai crescer de novo
Kelly dos Santos, 25 anos, é natural de Curitiba e mora em Passo Fundo. Perder o cabelo foi uma batalha que ela enfrentou duas vezes. Aos 16 anos, em função de um tratamento de leucemia, ela viu a sua autoestima derrubada junto com os fios de cabelo. “Foi muito difícil porque eu não aceitei. Eu não me olhava mais no espelho, não tirava mais fotos porque naquele momento meu cabelo era tudo. Eu só usava chapéu e não saía na rua sem”, contou Kelly. Hoje, aos 25 anos, em função de um linfoma ela enfrentou essa batalha mais uma vez, porém de forma totalmente diferente e muito mais forte. “Hoje eu já entendo que o cabelo não é tudo e que tenho que ser linda do jeito que for. Meu companheiro me disse, você prefere perder o cabelo que cresce de novo ou um braço? Eu tinha o cabelo bem comprido e quando soube das quimioterapias já fiz um corte bem curto, para ir me acostumando. Quando começou a cair então, eu disse para o meu companheiro raspar. Diferente da primeira vez, agora tiro foto, saio na rua sem peruca, lenço, chapéu e sou feliz”.
Dando força
Kelly ainda contou com uma ajuda especial. Como ela cortou o seu cabelo, foi possível fazer uma peruca com o material. “Eu assisto vídeos de como amarrar lenços. Um dia uso a peruca, no outro saio na rua careca. Hoje eu até ajudo as outras pacientes que estão em tratamento, falando, dando força, incentivando. A dica que eu dou sempre é que o cabelo é uma coisa supérflua. Vai crescer de novo, existem outras formas de continuar linda. Tem que aceitar esse momento e lidar da melhor forma possível”.
Tricotando Carinho
A Associação de Pais e Mestres do Colégio Marista Medianeira, de Erechim, doou toucas para as crianças em tratamento do Centro Oncológico Infato-juvenil do Instituto do Câncer Hospital São Vicente. O Tricotando Carinho, é um projeto, com mais de 40 mães e avós que produzem peças de tricô. O material é repassado ao Projeto Penélopes Solidárias, grupo de voluntárias que arrecada mechas de cabelo, lenços e outras peças para doação às pessoas com câncer.
Para conviver com a perda do cabelo
– Deixar o cabelo mais curto antes da queda pode evitar impactos e reduzir o choque emocional
– Utilize uma toalha sobre o travesseiro no período da queda para facilitar a remoção dos fios que caírem
– Raspar a cabeça pode diminuir o desconforto de conviver com os cabelos caindo roupa e no ambiente
– Não é necessário adquirir uma peruca de cabelo natural, pois as sintéticas custam menos, são mais fáceis de cuidar e mais leves
– Ao comprar uma peruca tenha a companhia de um familiar ou amigo para deixar o momento mais leve e descontraído.