Quarta-feira, 30 de Agosto é o Dia Nacional de Conscientização sobre Esclerose Múltipla, uma das principais causas de incapacidade de jovens adultos. Não há cura para essa doença neurodegenerativa autoimune, mas existem tratamentos para diminuir as possibilidades de sequelas. As causas da doença ainda são desconhecidas. Assim, também não existem meios para prevenir o seu surgimento. O diagnóstico precoce é muito importante, pois pode reduzir as complicações, evitar consequências maiores e propiciar condições e adaptações para enfrentar e conviver com a esclerose múltipla.
Uma doença autoimune
O Dr. José Carlos Tomiozzo Júnior, médico neurologista que atua no Hospital da Cidade, explica que a esclerose múltipla (EM) é uma doença neurológica autoimune, onde os mecanismos de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando inflamação e deixando cicatrizes (esclerose) no cérebro e medula espinhal. Na forma mais comum da doença ocorrem os chamados “surtos” que são ataques do sistema imunológico à bainha de mielina, que reveste os neurônios. O dano a esta bainha reduz a transmissão das informações pelo sistema nervoso gerando os sintomas. O termo esclerose geralmente é usado para designar cicatrizes em algum órgão. No caso da esclerose múltipla não há relação estreita com outros tipos de esclerose e o termo designa as cicatrizes que surgem no sistema nervoso central como consequência dos surtos. Popularmente o termo “esclerosado” é usado para designar pessoas, geralmente idosas, com alterações de memória, não havendo relação com EM. Em relação a Passo Fundo, não existem estudos específicos, porém com o aumento das tecnologias em saúde e maior acesso aos serviços ocorre um diagnóstico mais precoce. Mas, em nível mundial, ocorre um aparente aumento no número de diagnósticos especialmente em países desenvolvidos.
Sintomas e causas
Pela possibilidade de afetar qualquer parte do sistema nervoso central os sintomas podem ser bem variados. As apresentações mais comuns são a perda visual, formigamentos em alguma parte do corpo, perda de força e cansaço. Não existe um exame definitivo para o diagnóstico da doença, então são usados critérios clínicos (sinais e sintomas apresentados pelo paciente), associado a exame de imagem (ressonância magnética). Por vezes é necessário realizar uma punção lombar, que consiste em coletar o líquido produzido no cérebro com uma agulha entre as vértebras da coluna. A causa da esclerose múltipla não é conhecida. Alguns estudos apontam diversos fatores predisponentes para o desenvolvimento da EM. Apesar de não ser considerada hereditária, algumas variações genéticas aumentam a chance de desenvolver a doença, inclusive com aumento de casos em uma mesma família. Sabe-se que em geral países com climas mais frios possuem uma maior proporção de pessoas afetadas, podendo-se especular que uma menor exposição solar favoreceria a doença. Existe uma grande variabilidade nos sintomas entre os portadores da doença, dependendo de onde houve lesões no sistema nervoso central.
Sem cura, mas com tratamento
Tomiozzo explica que não se conhece uma cura para a doença, porém existem tratamentos que podem reduzir a chance de sequelas. Existem dois momentos onde o tratamento é realizado, um tratamento durante o surto, no qual geralmente são utilizadas doses altas de corticoides para reduzir a inflamação nos neurônios e tentar reverter os sintomas apresentados. Além disso, se faz um tratamento contínuo com a finalidade de reduzir a chance de o paciente ter novos surtos, para isso geralmente utilizam-se medicamentos injetáveis, que podem ser aplicados em casa pelo próprio paciente. Os medicamentos objetivam diminuir a atividade inflamatória e a frequência dos surtos, retardando o avanço da doença e reduzindo o acúmulo de sequelas. A doença evolui de forma bastante variada, podendo haver períodos de maior ou menor frequência de surtos. Alguns fatores parecem estar ligados a apresentações menos graves como o início da doença em idade jovem e sexo feminino. Embora a maior parte dos pacientes evolua com perda da capacidade de locomover-se, em alguma fase da doença, com diagnóstico precoce e tratamento adequado pode-se preservar a qualidade de vida e independência por bastante tempo.
Atenção aos sintomas!
Como as causas da doença são desconhecidas não existem meios para prevenir o surgimento, entretanto o diagnóstico precoce pode reduzir as complicações e evitar sequelas. Devido a doença manifestar-se por surtos com sinais e sintomas neurológicos as pessoas devem estar atentas ao surgimento súbito de alterações sugestivas como alterações na visão, dificuldade de fala, formigamentos ou perda de força, devendo ser avaliada por um neurologista para confirmar ou afastar o diagnóstico.
Formas da Esclerose Múltipla
- Remitente-recorrente (EMRR), que é a forma mais comum, na qual o paciente apresenta piora dos sintomas nos surtos permanecendo estável entre eles.
- Secundariamente progressiva (EMSP) é uma evolução mais grave da EMRR, onde após algum tempo de doença o paciente começa a apresentar incapacidade progressiva entre os surtos.
- Primariamente progressiva (EMPP), que acomete uma pequena parcela dos pacientes, havendo uma progressão das lesões e incapacidade sem o aparecimento de surtos.
- Primária recidivante (EMPR), mais rara de todas, e o paciente apresenta piora progressiva da incapacidade física desde o início da doença, com o aparecimento posterior de alguns surtos.
Reabilitação pela fisioterapia
A fisioterapia é aplicada em tratamentos de Esclerose Múltipla, como explica a fisioterapeuta do Hospital da Cidade, Débora Jorge Lisboa. A fisioterapia tem um papel muito importante no tratamento da Esclerose Múltipla, principalmente para manter a independência funcional favorecendo a realização das atividades de vida diária e proporcionando uma melhor qualidade de vida aos pacientes acometidos por esta doença. Nos dias de hoje, a reabilitação é considerada parte fundamental do tratamento da Esclerose Múltipla. Os profissionais responsáveis pelo acompanhamento dos pacientes necessitam de conhecimento e experiência, para reconhecer as peculiaridades de cada um e a grande variedade de sintomas que os diferenciam. Como as queixas variam durante o curso da doença, o maior desafio para o profissional é estar preparado para tratar os pacientes com individualidade e flexibilidade.
Mantendo e melhorando movimentos
A Esclerose Múltipla pode cursar com distúrbios neurológicos relacionados à sensibilidade e motricidade, provocando nos pacientes alterações como dificuldades de visão, de movimentação, de fala, de equilíbrio. A fisioterapia trabalha procurando manter e/ou melhorar a amplitude de movimento, a força muscular, trabalhar o equilíbrio e a marcha buscando tornar o paciente o mais independente possível. Há casos em que é necessário acompanhamento continuado, principalmente nos casos em que a doença é progressiva. Com o avanço do tratamento medicamentoso que prolonga o tempo entre os surtos e retarda a progressão da doença, os profissionais responsáveis pela reabilitação passam a ser parte fundamental desse processo, auxiliando o individuo a obter uma melhora mais rápida nos episódios de surtos e tentando evitar a piora progressiva da doença.
Trabalho individualizado
A fisioterapeuta explica que diversas evidências indicam que os programas de exercícios planejados e individualizados aumentam a mobilidade, melhoram o desempenho nas atividades diárias, reduzem a fadiga, além de prevenir complicações decorrentes da doença. Em geral, as intervenções têm como objetivo ajudar o paciente a alcançar independência funcional com segurança, dentro de casa e na comunidade, proporcionando qualidade de vida. A abordagem da fisioterapia vai variar durante o curso da doença. Não existem protocolos, mas sim a necessidade de oferecer alternativas com foco em queixas individuais. O fisioterapeuta deve estar atento a todos os aspectos que podem interferir na mobilidade e função do paciente. Os profissionais que atuam na reabilitação também são responsáveis por indicar o uso de dispositivos auxiliares adequados, tais como bengalas, andadores, cadeira de rodas e órteses. Esses dispositivos têm como objetivo aumentar a independência funcional, a segurança e minimizar a fadiga.
Qualidade de vida
Os obstáculos encontrados pelos pacientes com esclerose múltipla, não somente em Passo Fundo, mas em todo o Brasil, estão relacionadas à dificuldade na confirmação do diagnostico, podendo ocorrer atraso no inicio do tratamento; à necessidade de afastamento do trabalho, especialmente nos períodos de piora da doença; ao comprometimento da vida social do paciente, com grande envolvimento familiar. A acessibilidade a lugares públicos constitui-se em outra grande dificuldade, principalmente nos pacientes que necessitam uso de cadeira de rodas. A reabilitação física através da fisioterapia trará benefícios aos pacientes através de melhora na força muscular, na marcha, no equilíbrio, na estabilidade corporal, evitando quedas, proporcionando uma capacidade de recuperação e manutenção da realização de atividades de vida diária, propiciando, ainda, uma maior independência e qualidade de vida.
Superando dificuldades com a fonoaudiologia
A fonoaudiologia também é importante no tratamento da esclerose múltipla, como explicam as fonoaudiólogas Analice Lusa e Soraia Boscatto, do Hospital da Cidade. O tratamento é realizado sempre que houver queixas de dificuldade na fala como a disartria (fala arrastada), disfonia, dificuldade para deglutir (disfagia), perda do equilíbrio e dificuldade para ouvir. Os sinais e sintomas do portador de EM são bastante variáveis de acordo com seu caráter, intensidade e duração. Pode gerar no paciente certa dificuldade tanto na fala, como no ato da mastigação, no controle do bolo alimentar, redução na velocidade do trânsito oral, dificuldade para deglutir (disfagia) com engasgos frequentes, tosse, desnutrição e desidratação e broncoaspiração, muitas vezes de forma silenciosa, que não são percebidas pela pessoa. Em estágios mais avançados o alimento ou até mesmo a saliva podem entrar na via respiratória, chegando aos pulmões, podendo causar quadros de pneumonias aspirativas graves.
Atividades individuais
Os exercícios são planejados conforme avaliação, com duração e intensidade específicas respeitando a individualidade e características de cada paciente e traçando metas de reabilitação, com exercícios de coordenação pneumo--fonoarticulatórios e motricidade orofacial. Exercícios de reabilitação também enfocam as diferentes fases da deglutição para melhorar o controle oral do bolo alimentar e para aprender técnicas facilitadoras e manobras posturais que favoreçam a passagem do bolo alimentar. O objetivo da fonoterapia é minimizar os prejuízos funcionais, isto é, manter pelo maior tempo possível as habilidades, criar estratégias de comunicação alternativa quando a comunicação oral não é mais eficaz e garantir maior segurança na oferta de dieta via oral, com adaptações de consistências sempre que necessário.
Audição e alimentação
Alguns pacientes apresentam sintomas de perda auditiva, perda no equilíbrio corporal e zumbido, exigindo avaliações complementares. Já o exame de videofluoroscopia da deglutição ou videodeglutograma permitem avaliar as fases da deglutição, identificar e classificar o grau de disfagia. Este exame auxilia e direciona condutas de reabilitação fonoaudiológicas mais precisas. Comunicar-se bem é qualidade de vida. Comer bem é qualidade de vida. O fonoaudiólogo gerencia esse processo de reabilitação, auxiliando e orientando estratégias a fim de intervir nas dificuldades precocemente, podendo auxiliar no reconhecimento de indicadores das alterações, contribuindo para uma avaliação mais precisa, diminuindo riscos e consequentemente aumentando a qualidade de vida do paciente.