Novos caminhos para o combate à Hepatite E

Trabalho desenvolvido na UPF aponta novos caminhos para o combate à doença

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Um grupo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Bioexperimentação da Universidade de Passo Fundo iniciou, em 2013, uma série de estudos sobre o vírus da Hepatite E (anti-HEV). Recentemente, o grupo desenvolveu um antígeno recombinante derivado da proteína que forma o capsídeo viral, dando um importante passo para o desenvolvimento de um teste de diagnóstico sorológico, bem como, de uma vacina contra este vírus. Os resultados das pesquisas realizadas foram publicados em duas importantes revistas internacionais FEMS Microbiology Letters (2016) e PlosONE (2017). Um dos líderes da pesquisa, o professor Dr. Rafael Frandoloso, está no Canadá, onde desenvolve seu estágio pós-doutoral com apoio da UPF. Ele lembra que tudo começou com uma aula do virologista Dr. Fernando Spilki, da Feevale, sobre patógenos transmitidos pela água, entre eles, o Vírus da Hepatite E. A partir de então, o grupo realizou uma intensa revisão sobre o tema, discutindo o cenário global da hepatite E, encontrando o foco das pesquisas a serem desenvolvidas.

Investimento

Segundo o vice-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UPF, professor Dr. Leonardo José Gil Barcellos, o trabalho é fruto do investimento da Instituição na formação continuada de seus docentes e da preocupação da Universidade em oferecer espaços de pesquisa qualificados, modernos e atualizados. “Desde o início desta gestão, temos concentrado esforços na capacitação e na qualificação dos nossos professores e alunos. Com investimento em laboratórios modernos e aptos ao desenvolvimento de pesquisas nas mais variadas áreas e parcerias nacionais e internacionais cada vez mais consolidadas, temos alcançado bons resultados, sentidos não apenas pela comunidade acadêmica, mas por toda a sociedade”.

A pesquisa I

Rafael Frandoloso explica que o primeiro projeto, executado pela médica hematologista e mestre em Bioexperimentação, Denise de Almeida Ramos, teve por objetivo produzir de forma recombinante o extremo C-terminal da proteína ORF2 do HEV. Os resultados deste estudo, publicados em 2016 na revista britânica FEMS Microbiology Letters, demonstraram que a proteína ORF2 recombinante era imunogênica (capaz de induzir a produção de anticorpos) e que os anticorpos gerados eram capazes de reconhecer especificamente o HEV gt3 isolado de suínos. Ao mesmo tempo, foi demonstrado que anticorpos humanos (paciente sabidamente infectado pelo HEV) e de animais experimentalmente infectados com o HEV também eram capazes de reconhecer o antígeno recombinante desenvolvido neste estudo. Em conjunto, os resultados demonstraram que a proteína ORF2 recombinante contemplava todos os pré-requisitos imunológicos que caracterizam um excelente e promissor antígeno para o desenvolvimento de testes sorológicos para detecção de anticorpos anti-HEV, bem como, para a formulação de vacinas com potencial de prevenir o desenvolvimento de hepatite E. 

Equipe I

Os pesquisadores envolvidos nesta etapa foram: Denise de Almeida Ramos, Michela Miani, Rafael Pandol, Luis Tondo, Maikel L. Colli, Fernando Rosado Spilki, Noemi Rovaris Gardinali, Marcelo Alves Pinto, Luiz C. Kreutz e Rafael Frandoloso.

A Pesquisa II

No segundo projeto, foi avaliado o potencial da ORF2 recombinante para desenvolvimento de um teste diagnóstico sorológico para detecção de anticorpos humanos anti-HEV. Nesta ocasião, o estudo foi conduzido pelo médico veterinário e mestre em Bioexperimentação, Rafael Pandolfi, e os resultados desta pesquisa foram recentemente publicados na revista PlosONE. A primeira etapa desta pesquisa consistiu na construção e validação de um teste imunoenzimático do tipo ELISA Indireto baseado na proteína ORF2 recombinante, para a detecção específica de IgGs humanas anti-vírus da hepatite E. A segunda etapa, consistiu numa investigação soroepidemiológica de anticorpos anti-HEV presente em doadores de sangue da região de Passo Fundo. Os resultados desta pesquisa revelaram uma situação verdadeiramente alarmante: 314 (40,5%) dos 770 doadores analisados apresentavam anticorpos contra o vírus, caracterizando a região de Passo Fundo na primeira região endémica para hepatite E do Brasil.

Equipe II

Os pesquisadores envolvidos no segundo projeto foram: Rafael Pandolfi, Denise Ramos de Almeida, Marcelo Alves Pinto, Luiz Carlos Kreutz e Rafael Frandoloso.

A importância mundial do trabalho

De acordo com Frandoloso, a Hepatite E é uma das mais importantes causas de hepatite clínica aguda em adultos na Ásia e na África. Por outro lado, ela é raramente reportada em países industrializados. “Anticorpos anti-hepatite podem ser facilmente encontrados em humanos localizados em todos os países do globo, demonstrando a ampla difusão desse microrganismo. Em países em desenvolvimento – tais como China, Índia, Paquistão, Marrocos, Argélia, Egito, Etiópia e México, entre outros –, a transmissão do vírus ocorre principalmente por meio da ingestão de água contaminada (por fezes). Por outro lado, em países desenvolvidos – tais como Japão, Austrália, Alemanha, França, Espanha, Estados Unidos e Canadá, entre outros –, casos de Hepatite E têm sido associados a pessoas que viajam a zonas endêmicas ou ao consumo de carne ou de subprodutos derivados de suínos infectados, demonstrando o potencial zoonótico desse microrganismo”, destaca. Ele lembra que outras vias de transmissão também devem ser consideradas, como transmissão vertical (mães infectadas podem transmitir ao feto), parenteral (transfusão de sangue ou de hemocomponentes) ou transplante de órgãos. 

Teste genuíno

Para o pesquisador, a Hepatite é uma doença sub-diagnosticada no Brasil e em diversos países do globo, sendo escassos os dados sobre os aspectos epidemiológicos. “Nesse cenário, nosso grupo de pesquisa está trabalhando no desenvolvimento de um teste de diagnóstico genuíno e que pode, a curto prazo, ser utilizado para o diagnóstico sorológico de humanos e animais infectado pelo vírus da Hepatite E. Nosso laboratório tem um potencial real de colaborar com a comunidade médica de Passo Fundo, bem como, a longo prazo, com o Ministério da Saúde. Basicamente, podemos realizar a detecção sorológica de anticorpos anti-HEV, bem como a detecção molecular o vírus mediante PCR em tempo real quantitativa”, frisa.

Impacto real e futuro

Na opinião do professor, o impacto da pesquisa para a comunidade médica é extremamente valioso, fundamentalmente para os profissionais que trabalham com doenças infectocontagiosas, transplantes, pacientes imunossuprimidos e gestantes. “Nossos resultados sugerem que o vírus da Hepatite E deve ser considerado como um potencial agente causador de hepatite clínica aguda em adultos em Passo Fundo e região, fundamentalmente naquele grupo de indivíduos descrito anteriormente. Para a população em geral, essa pesquisa precisa ser analisada com cautela e sem grandes alarmes. A infecção pelo HEV é dose dependente, e, de forma geral, não causa nenhuma manifestação clínica em indivíduos saudáveis”, esclarece o pesquisador.

Hoje

O grupo trabalha atualmente no desenvolvimento molecular de novos antígenos derivados desse vírus para o desenvolvimento de testes de diagnóstico sorológico e vacinas. A etapa molecular de desenvolvimento dos novos antígenos híbridos, a qual envolve um minucioso estudo de simulação computacional de DNA e predição de estrutura proteica (engenharia de antígeno), está sendo conduzida na University of Calgary, no Canadá, pela dentista e egressa da UPF Gabriela Carolina Paraboni Frandoloso, com a orientação do professor Rafael e colaboração do prof. Anthony Bernard Schryvers. “Apesar de estarmos seguros e felizes com os resultados obtidos até o momento, queremos dar um passo a mais, no sentido de desenvolver um teste de diagnóstico diferenciado, mais tecnológico, específico e sensível e que possa ser comercializado no Brasil”, frisa.

Formação de recursos humanos

Os resultados científicos obtidos foram 100% desenvolvidos no laboratório por alunos em fase de formação e vinculados ao Mestrado em Bioexperimentação da UPF. Além dos mestrandos, Frandoloso também destaca a vinculação dos alunos de iniciação científica nas pesquisas.

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