A fila para vacinação contra a febre amarela alcançava a calçada em frente da Central de Vacinas, na manhã de ontem (18). Grande parte das pessoas buscava se informar e receber a dose do remédio para prevenção da doença que já fez mais de 40 vítimas em todo país e deixou pelo menos quatro estados brasileiros em estado de alerta. Esta realidade, no entanto, não se aplica ao Rio Grande do Sul - muito menos a Passo Fundo. Ainda que haja ligação direta entre o município e São Paulo - estado com maior número de casos até o momento - por conta dos dois voos diários à Campinas, não há nenhum caso registrado na cidade e nem risco de proliferação da doença até o momento. “Não há motivo para pânico”, disse a enfermeira-chefe do Núcleo de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde, Raquel Carneiro. “A situação do RS não é a mesma de São Paulo, muito pelo contrário. Se surgir o registro da doença no estado vamos divulgar, mas a princípio não temos nada”, afirmou.
Segundo ela, a vacina só é necessária em pessoas que vão viajar para estados de risco, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. A dose deve ser aplicada com pelo menos 10 dias de antecedência já que, em caso de transmissão antes deste período, não fará efeito. Estes casos, no entanto, são para pessoas que nunca receberam a vacina, que é disponibilizada na rede pública para pessoas entre nove meses e 59 anos de idade. “Antes de vir até a Central, a gente recomenda que as pessoas olhem para o cartão de vacina. As crianças a partir dos nove meses já estão aptas a receber [a dose], então em teoria grande parte da população já está vacinada. Quem já fez a vacina em algum momento da vida já está protegido”, explicou Raquel.
O receio pela transmissão da doença fez aumentar a procura pela vacina. De acordo com a enfermeira-chefe, a média de doses distribuídas em períodos “comuns” é de cerca de 200 vacinas/mês. Desde o primeiro dia de 2018, mais de 450 vacinas foram aplicadas, devido a alta procura da população. “O aumento se deu porque muita gente está viajando para estes locais de risco, o que acaba afetando a nossa região já que todo mundo começa a procurar. De qualquer forma, é essencial que antes de sair de casa, a pessoa observe sua carteira de vacinação para ver se já não recebeu a dose antes. Uma vez é suficiente”, pontuou. Ela lembra ainda que em 2009 muitas pessoas foram vacinadas após a chegada do medicamento na região. “É uma vacina que está disponível e que precisa ser usada com cautela, porque pode dar efeitos adversos depois da aplicação. Por isso não é recomendado que seja aplicada em pessoas acima de 60 anos, por exemplo. Para estes casos, só aplicaremos com indicação médica”, completou.
Uma dose é suficiente
Mesmo que ainda se fale da necessidade de reforço da vacina a cada 10 anos, este ponto está descartado. “Uma dose para a vida toda é suficiente. Não temos esquema fracionado como em SP e RJ. A nossa recomendação, no RS, é a vacinação de rotina, com volume normal de doses válidas para a vida toda”, esclareceu Raquel. Mas ainda que o risco pareça distante, é importante prevenir futuras transmissões, causadas pelo velho conhecido mosquito Aedes Aegypti, transmissor de outras doenças como a dengue, febre chikungunya e zyca vírus.
Como acontece a transmissão
A transmissão da febre amarela acontece por meio de dois mosquitos diferentes, de acordo com a infectologista Clarissa Giaretta. O primeiro é chamado Haemagogus, que transmite a febre amarela silvestre. “A gente tem o macaco que é o bugio, normalmente, e acaba que esse mosquito se alimenta do sangue do macaco e o homem entra como uma peça acidental no meio dessa transmissão, porque pica o humano e transmite a doença.”, explica. Porém, diz ela, é importante destacar que o macaco não transmite a doença e o mosquito Haemagogus não está presente no meio urbano. A transmissão acontece pelo segundo vetor, o mosquito Aedes aegypti, que, ao picar uma pessoa contaminada, se contagia e acaba carregando a doença para diversas outras. A infectologista também ressalta que a única forma de contaminação é através da picada do mosquito, não ocorrendo de pessoa para pessoa.
Sintomas
Mesmo que a doença não esteja presente no estado já há alguns anos, é importante se atentar aos sintomas. Segundo Clarissa, não se pode descartar a chance de uma pessoa proveniente de uma área de risco vir à região e acabar transmitindo o vírus ao vetor urbano. “É um mosquito que a gente sabe que tem no centro da cidade, local infestado de Aedes, se ele picar esse paciente ele pode sim fazer a transmissão dentro do município”, informa.
Após a picada, o tempo de incubação - período entre o contato com o vírus e a manifestação dos sintomas - varia de três a sete dias e então começa a apresentar febre alta, dor de cabeça, mal-estar, náusea e vômito. De acordo com a especialista, esses sintomas acabam cessando espontaneamente, mas dentro de algumas horas ou dias eles retornam com uma intensidade muito maior, onde surgem as complicações da febre amarela: insuficiência renal, insuficiência hepática, parada de eliminação da urina e icterícia, em que o paciente passa a ter uma cor amarelada, sintoma que dá nome à doença.
Diagnóstico e tratamento
Quando há suspeita da doença, a infectologista indica que a Vigilância Epidemiológica na Secretária da Saúde deve ser obrigatoriamente comunicada e o sangue do paciente coletado para ser levado a laboratórios do estado, no caso da região seria em Porto Alegre, para que o diagnóstico possa ser realizado. Não existe tratamento específico contra a febre amarela, por isso a prevenção por meio da vacina se torna importante.
Histórico e ocorrência
O vírus da febre amarela é de origem africana e de acordo com o Ministério da Saúde o primeiro caso foi na cidade de Pernambuco, no século 17, onde permaneceu durante dez anos. Conforme informações da especialista, não ocorriam casos no Brasil há algum tempo e trata-se de uma doença que “habitualmente vem em surtos”, principalmente em épocas de calor e umidade. As causas que desencadearam o surto recente ainda são incertas, mas conforme Clarissa uma das explicações pode ser o cada vez mais crescente número de deslocamento de pessoas de uma região do mundo para outra e também o fato de que a vacina não é obrigatória no calendário de vacinação, a não ser em caso de viagens para locais considerados de risco.