Pensar em saúde mental em sociedade é um desafio. O mês de outubro traz o Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado todo o dia 10 desde 1922, quando a Federação Mundial para Saúde Mental (WFMH) fundou a data de Conscientização. O momento integra pessoas que celebram os avanços e refletem sobre as dificuldades ainda presentes, tanto no diagnóstico e tratamento de transtornos mentais quanto na difusão do conceito de saúde mental em comunidade. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”. Ou seja, a saúde mental vai além da divisão entre pessoas que têm um transtorno mental versus pessoas que não têm um transtorno mental. Ela é parte integrante: sem saúde mental, não há saúde!
Coletivo e individual
A influência desse bem-estar passa por fatores socioeconômicos, biológicos e ambientais, e permite ou não que o indivíduo possa realizar suas habilidades e potencialidades reais, além de lidar com as tensões normais da vida. A saúde mental é atrelada à capacidade coletiva e individual do ser humano de entrar em contato com sua própria humanidade. O médico psiquiatra pós-graduado em Psiquiatria Psicanalítica, José Ribamar Fernandes Saraiva Junior, do Instituto de Psiquiatria e Psicoterapia (IPP) – também professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e coordenador do 2º ano da Residência Médica em Psiquiatria, explica como a saúde mental importa para todos e como esse cuidado deve fazer parte da vida das pessoas.
O conceito de saúde mental
Ao longo do tempo os profissionais da área da saúde mental tiveram que estudar muito como as doenças mentais foram formadas para formular todo um manual de critérios e hipóteses diagnósticas sobre os transtornos, a fim de desenvolver os tratamentos para cada um deles. Esse é um fato que influencia a visão da população e de profissionais de outras áreas da saúde em relação à psiquiatria, em que atrela a psiquiatria muito mais à doença do que à saúde. Mas esse entendimento vem sendo modificado e, agora, com o conhecimento mais aprofundado das doenças estabelecidas, conseguimos passar para um novo estágio que é estudar e pesquisar as suas causas. Começamos a trabalhar com promoção de saúde mental e prevenção precoce de doença mental, além do tratamento das doenças quando já estão estabelecidas. Creio que hoje temos vários desafios em relação à saúde coletiva na área da saúde mental. O mais urgente seria facilitar o acesso dos pacientes em sofrimento psíquico a todos os componentes da rede de saúde, desde as unidades de saúde da atenção básica, passando por ambulatórios especializados, pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), pelos leitos de internação psiquiátrica em hospitais gerais e pelos hospitais psiquiátricos. Não podemos mais admitir que pessoas em sofrimento psíquico morram esperando um leito psiquiátrico porque houve diminuição dos leitos em hospitais especializados, como mostrou uma pesquisa realizada pela Federação Nacional dos Hospitais. E, por outro lado, temos que trabalhar mais com os primeiros anos de desenvolvimento. Sabemos que os primeiros cinco anos de vida são fundamentais para termos pessoas mais saudáveis e resilientes no futuro.
Aprimorando as terapias
Vejo que as terapias psicológicas ou psicoterapias são técnicas relativamente recentes. Quando Freud iniciou sua obra, no final do século XVIII, em 1890, aproximadamente, mesmo prezando pela neutralidade científica foi influenciado pelo contexto da época. Ele iniciou uma pesquisa em uma enfermaria da neurologia com pacientes que apresentavam características clínicas de doenças neurológicas, porém, não apresentavam alterações físicas que justificassem aqueles sinais. Esses pacientes começaram a melhorar após momentos de conversa para responder o questionário de pesquisa. Por isso, o primeiro nome que foi dado ao que hoje conhecemos como psicanálise foi “cura através da palavra”. Desde então, a técnica foi se aprimorando e os autores pós-Freudianos foram desenvolvendo novas técnicas ou aprimorando a técnica primeva. Talvez, toda essa carga de trabalhar com “doentes”, inicialmente, tenha colaborado para que durante muito tempo as psicoterapias fossem estigmatizadas. Hoje, se sabe que existem mais de 300 técnicas de terapias psicológicas e que, desde que bem indicadas, qualquer pessoa pode buscar ajuda e se autoconhecer através delas.
Ansiedade, estresse e comportamento
A saúde mental influencia a saúde do corpo físico. Agora mesmo estamos finalizando uma pesquisa de revisão sistemática sobre a influência da atividade física regular como tratamento adjuvante no transtorno obsessivo-compulsivo, com evidências bem consistentes de que a saúde mental influencia diretamente na saúde física, sendo a recíproca verdadeira. Sabemos que o estresse emocional libera substâncias inflamatórias que irão colaborar com o surgimento e a manutenção de doenças cardiovasculares, neurológicas, reumatológicas, imunológicas, dermatológicas, entre outras. Além disso, que a prática de atividade física regular, moderada, auxiliada por um profissional da educação física, é fundamental para prevenção de várias doenças, incluindo transtornos mentais.
A solidão
A solidão é uma crescente preocupação da saúde pública. Esse sentimento comum à humanidade é social e compartilhado por todos em diferentes momentos da vida. Em todos os manuais que nos orientam no diagnóstico de doenças psiquiátricas existe um item que fala que os critérios, além de serem preenchidos, necessitam causar sofrimento e prejuízo significativo. Creio que esses podem ser parâmetros importantes para nos guiarem quando for solicitada ajuda.
Como manter uma boa saúde mental
Percebemos que são vários os fatores que influenciam na nossa saúde mental. Creio que, mesmo na adversidade, acreditarmos que podemos sempre melhorar seria uma boa estratégia. A vida é cíclica e na sua trajetória vivenciamos momentos bons e ruins, sabemos que habilidades para lidar com essas etapas podem ser desenvolvidas e aprimoradas, então, não precisamos desistir. Sempre haverá alguém que vai nos estender a mão em um momento de dificuldade. Este seria o nosso inconsciente coletivo em busca da nossa sobrevivência e, ter essa certeza, seria mais uma ferramenta importante para lidarmos com as adversidades. Por último, conseguir avaliar se nossas expectativas estão dentro de padrão real ou se estamos idealizando nossas relações. Essas são ferramentas que todos nós podemos ter para mantermos nossa serenidade.