Quando arrancar os cabelos é uma doença

A tricotilomania é um transtorno que pode ser controlado com um tratamento adequado

Por
· 4 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Bastante utilizada em nosso cotidiano, a expressão “de arrancar os cabelos” pode ter muitos significados figurativos. Porém, também é um impulso, denominado tricotilomania, que leva a pessoa a arrancar o próprio cabelo. De acordo com a Dra. Rita de Cássia Maynart Pereira, médica psiquiatra do corpo clínico do Hospital São Vicente, a tricotilomania foi descrita pela primeira vez em 1889 pelo dermatologista francês François Hallopeau. Segundo o DSM-5, a característica essencial da tricotilomania é o ato recorrente de arrancar cabelos, que pode resultar em perda notável dos mesmos. Outros sintomas clínicos incluem uma sensação crescente de tensão antes de arrancar os cabelos e uma sensação de prazer, gratificação ou alívio durante o ato. A condição é mais comum em mulheres do que em homens.

 

De leves à graves
Como a maioria dos transtornos psiquiátricos, existem casos brandos (leves) e casos graves com danos irreversíveis ao crescimento e qualidade do pelo, até mesmo infecções de pele. Todas as áreas do corpo podem ser afetadas, mas o couro cabeludo é a mais comum. Outras áreas envolvidas são sobrancelhas, cílios e barba. O tronco, as axilas e a área pubiana estão envolvidos com menor frequência. O comportamento de arrancar os cabelos não é considerado doloroso, embora possam ocorrer coceira e formigamento na área desenvolvida. Os pacientes em geral negam o comportamento e muitas vezes tentam esconder a falha capilar resultante. Bater com a cabeça, roer as unhas, arranhar, morder, esfolar e outros atos de automutilação podem estar presentes.

 

Compulsão por um ato
A característica essencial da tricotilomania consiste em arrancar os próprios cabelos de maneira recorrente. Um sentimento de tensão aumentada está presente antes do ato e após sensação de alívio, prazer e satisfação. Não há raiva ou conduta agressiva no ato de arrancar o cabelo. Pessoas com tricotilomania têm maior prevalência de transtornos do humor (p. ex. transtornos depressivos maiores), de ansiedade (p. ex., transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de ansiedade generalizada, fobia social), por uso de substâncias, alimentares, da personalidade (p. ex., borderline e obsessivo-compulsiva) e retardo mental. Ao contrário dos pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo, os portadores de tricotilomania não experimentam pensamentos obsessivos, e sua atividade compulsiva se limita a um ato, o de arrancar os cabelos. O ato repetitivo de arrancar os cabelos na tricotilomania deve ser diferenciado de uma compulsão, como no transtorno obsessivo-compulsivo. No transtorno obsessivo-compulsivo, os comportamentos repetitivos são executados em resposta a uma obsessão, ou de acordo com regras que devem ser rigidamente aplicadas.

 

Controle
O controle da tricotilomania é possível através de um tratamento adequado unindo dermatologista, psiquiatra e terapeutas (a terapia cognitiva comportamental seria a primeira escolha). Entre os critérios para o diagnóstico, existe a necessidade de fazer repetidas tentativas de reduzir ou parar o ato de arrancar o cabelo. O ato de arrancar cabelo gera sofrimento como sensação de perda de controle, constrangimento e vergonha. Por isso, o controle do sintoma é muito difícil para os pacientes.

 

Adolescência
A idade média de início da tricotilomania é no começo da adolescência, em grande parte antes dos 17 anos, apesar de haver relatos de início muito mais tardio. O curso do transtorno não é bem conhecido, mas sabe-se que ocorrem formas crônicas e intermitentes. O início precoce (antes dos seis anos) tende a ter remissão mais rápida e responde a sugestão, apoio e estratégias comportamentais. O início tardio (após os 13 anos) está associado a uma probabilidade maior de cronicidade e prognóstico pior do que a forma em início precoce. Cerca de um terço das pessoas que buscam tratamento relata transtorno com duração de um ano ou menos, mas há casos em que o problema persistiu por mais de duas décadas. O comportamento de arrancar cabelos pode ser uma condição benigna ou ocorrer no contexto de diversos transtornos mentais, como transtornos ansiosos. Muitos indivíduos brincam e enrolam seus cabelos sem apresentarem critérios que qualificam tricotilomania.

 

As causas da doença
Embora a tricotilomania seja multideterminada, seu início está ligado a situações estressantes em mais de um quarto de todos os casos. Perturbações da relação mãe-criança são citadas com frequência como fatores importantes que contribuem para a condição. O abuso de substâncias pode encorajar o desenvolvimento do transtorno. A dinâmica depressiva costuma ser citada como fator predisponente, mas não há um traço de personalidade ou transtorno em particular que caracterize os pacientes. Cada vez mais se acredita que a tricotilomania tem um substrato biologicamente determinado que pode refletir uma liberação inadequada da atividade motora ou comportamentos excessivos de higiene. Teorias biológicas também apontaram diferenças metabólicas nos sistemas de serotonina e de opióides. Membros da família de pacientes com tricotilomania costumam ter história de tiques, transtornos do controle dos impulsos e sintomas obsessivo-compulsivos, corroborando ainda mais uma possível vulnerabilidade genética.

 

Sintomas e tratamentos
Sempre que o paciente chegar com falhas capilares é importante uma avaliação dermatológica cuidadosa para descartar patologias emocionais, entre elas a tricotilomania. O tratamento costuma envolver psiquiatras, psicólogos e dermatologistas em um esforço conjunto. Os métodos psicofarmacológicos usados para tratar transtornos psicodermatológicos incluem um ansiolítico com propriedades anti-histamínicas, antidepressivos, agentes serotonérgicos e anti-psicóticos. Tratamentos comportamentais como a terapia cognitiva comportamental, o automonitoramento, a dessensibilização e a reversão de hábitos foram relatados. A tricotilomania crônica tem sido tratada com sucesso com psicoterapia de orientação analítica.

Gostou? Compartilhe