Quantos dias, meses e anos são necessários para a vida valer a pena? O que é para você uma vida feliz? Alice tem um mês e meio de vida. Desde que nasceu recebe cuidados no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) Neonatal do Hospital São Vicente de Paulo de Passo Fundo. Seus pais celebram e aguardam a ida para casa. Alice passa o dia cercada pelo olhar atento e amoroso dos pais. Aos cuidados da equipe multiprofissional, recebe o colo cheio de carinho do pai, os abraços carregados de afeto da mãe, os afagos dos irmãos. Uma criança planejada, desejada, tudo para ser a gestação dos sonhos... Na gravidez tudo seguia conforme o programado, quando, após um exame de ultrassom, o médico informou que era provável que Alice tivesse uma síndrome e que tinha uma grande probabilidade da filha morrer ainda intra-útero ou, logo que nascesse. “Foi um grande impacto! Era difícil de acreditar... Como a filha que tanto desejamos poderia morrer?”, lembra a mãe, recordando com dor as palavras do médico. O decorrer da gestação foi permeada de angústia e dúvidas.
Síndrome de Edwards
No dia 1º de setembro de 2018, Alice nasceu e foi para o CTI Neonatal. A médica neonatologista responsável por Alice, Dra. Cristiane Cassanelo, informou sobre algumas alterações visíveis em Alice e solicitou alguns exames, entre eles, o cariótipo, um exame genético que confirmou a Síndrome de Edwards. “A síndrome também é conhecida como Trissomia 18, uma doença genética rara, resultando em malformações graves, impedindo a sobrevivência do bebê. A Síndrome de Edwards não tem cura e a expectativa de vida é de poucos meses após o nascimento. Há relatos de crianças que viveram por mais tempo, mas apresentaram severo comprometimento no desenvolvimento”, explica a especialista. Desde então, os pais de Alice vivem a dor da confirmação do prognóstico da filha, e também tomaram uma importante decisão: aproveitar ao máximo o tempo de vida com qualidade, sem sofrimento e muito amor.
Suporte multiprofissional
Com o suporte da equipe de profissionais do HSVP, os pais optaram por cuidados paliativos exclusivos, ou seja, foram avaliados os benefícios para Alice e, assim, não serão realizados procedimentos invasivos, dolorosos e fúteis. Conforme a Organização Mundial de Saúde os Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameaça a vida, por meio de intervenção precoce, avaliação minuciosa e tratamento da dor e dos demais sintomas físicos, sociais, espirituais e psicológicos. “Os cuidados paliativos devem iniciar no momento do diagnóstico, associados ou não à terapia curativa, para adultos ou crianças. Para que os cuidados paliativos aconteçam é fundamental a comunicação entre paciente, família e equipe de profissionais da saúde. Assim, é possível realizar um plano de cuidado, estabelecendo os objetivos e prioridades individuais durante o tratamento”, esclarece a psicóloga coordenadora do Grupo Consultor de Cuidados Paliativos do HSVP, Débora Marchetti, que acompanha a família da Alice desde seu nascimento.
Vivendo a presença de Alice
“Estamos promovendo todas as condições para Alice ir para casa e ela está respondendo. O objetivo é que ela fique confortável, sem dor, sem sofrimento, com a família”, explica a Dra. Cristiane. Os pais sabem que terão momentos bons e outros nem tanto, mas estão aproveitando a presença da Alice. Cada minuto é vivido intensamente e todos eles registrados, porque Alice está contando a sua história e marcando outras tantas. “Vivemos cada dia intensamente. Achei que seríamos abandonados em função da doença dela, mas, pelo contrário, formos acolhidos e amparados pela equipe que não cuida só da Alice, mas sim, de toda a família”, relata o pai. Para as profissionais, Débora e Cristiane a história de Alice é o exemplo de sucesso de cuidados paliativos. “Profissionais envolvidos no plano de cuidado, os pais sendo acolhidos e atendidos em suas necessidades e a Alice sentindo todo o amor da família, confortável na sua condição”. Os planos dos pais aconteceram diferente do programado, mas com os cuidados paliativos é possível garantir dignidade à vida de Alice. “Neste momento, Alice cresce nas gramas e no amor que recebe”, exalta a mãe.
O Dia Mundial de Cuidados Paliativos
Para muitas pessoas, o termo cuidados paliativos ainda é algo desconhecido. Por isso, no dia 13 de outubro, uma ação unificada foi realizada para comemorar e apoiar os cuidados paliativos em todo o mundo. A organização não governamental que se concentra no desenvolvimento dos Cuidados Paliativos e Hospices no mundo, The Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA), escolheu como tema para campanha deste ano “Cuidados Paliativos: Porque eu sou importante”. O tema envolve elementos sobre direitos humanos e justiça, centrando na experiência vivida por pessoas com doenças ameaçadoras à vida e a necessidade de incluir os cuidados paliativos em pacientes e seus familiares.
Grupo Consultor de Cuidados Paliativos
A importância dos pacientes e familiares é que move o Grupo Consultor de Cuidados Paliativos (GCCP) do Hospital São Vicente de Paulo, que se mobiliza e celebra esta data. O GCCP é uma equipe multiprofissional que se coloca à disposição das diferentes especialidades da instituição e em conjunto com a equipe assistencial, busca medidas que promovam ao paciente e a sua família qualidade de vida e a manutenção da dignidade humana no decorrer da doença, na terminalidade da vida e na morte, para que todos se sintam mais orientados e seguros para enfrentar as dificuldades que surgirem. “Esse tipo de tratamento acontece quando todos os profissionais estão envolvidos no cuidado da vida e principalmente, quando o paciente é atendido e respeitado em seus desejos e vontades”, pontua Débora.
Respeito e dignidade
O relatório da Organização Mundial da Saúde estima que, a cada ano, mais de 20 milhões de pacientes necessitem de cuidados paliativos no fim da vida, cerca de 6% são crianças. O câncer é uma das doenças mais conhecidas, mas também se incluem as doenças degenerativas neurológicas, cardiopatias, doenças renais, doenças genéticas, etc. Por isso, serviços do mundo todo se mobilizam nesta data para sensibilizar os governantes e gestores dos serviços de saúde da necessidade de garantir que todos os pacientes com uma doença que ameaça à vida tenham acesso aos cuidados paliativos, pois, vai muito além de aliviar a dor, o sintoma, também busca abordar o sofrimento social, emocional e espiritual do paciente e de seus familiares. O caso da Alice representa a importância da qualidade, respeito e dignidade à vida. Assim com ela, outros pacientes e famílias convivem com essa realidade, que é vivenciada com naturalidade e amor com os cuidados paliativos.