Até que ponto a teimosia da criança é normal? Há uma fase em que, através da teimosia, ela tenta impor-se diante dos pais. Por que ela faz isso? As respostas são da Dra. Denice Bortolin, professora do Curso de Psicologia da Imed com experiência na área de Psicologia Clínica Psicanalítica Infantil. De acordo com a profissional, a teimosia da criança, nesta etapa do desenvolvimento infantil (um ano e meio a mais ou menos dois anos), é normal, pois ela está tentando ganhar sua autonomia. Quando a criança nasce, ela está em uma relação de total dependência do cuidador, encontra-se em uma fase de simbiose, ou seja, o adulto cuidador é quem faz as leituras, interpretações das necessidades autoconservativas e afetivas da criança. O adulto é quem decide o que a criança vai comer, quando vai comer, o que vai vestir, quando irá passear, tomar banho. A criança nestes primeiros meses de vida não tem gerência sobre a sua vida.
A teimosia na dependência relativa
Na medida em que a criança vai crescendo, ganhando sua autonomia, que vem a partir do seu desenvolvimento psicomotor e afetivo como, por exemplo, o desmame, o sorrir, o engatinhar, o caminhar, o falar, o desfralde, então ela começa sair de uma fase de total dependência e vai para a fase de dependência relativa. Ela ainda necessita de cuidado e auxílio do adulto, porém, algumas aquisições de autonomia e independência ela já obteve. E é neste momento de dependência relativa que a criança começa a teimar, pois ela quer testar sua autonomia e suas capacidades, enquanto que o adulto quer que ela continue na fase de dependência e que ela não se teste. As experimentações da criança podem trazer risco de vida, como por exemplo, querer subir uma escada sozinha, podendo cair e se machucar, comer sozinha, e a comida estar quente e ela se queimar, ou mesmo outras questões mais simples, como dar mais trabalho aos cuidadores, como por exemplo, comer sozinha e sujar a roupa, derrubar alimento no chão.
Reconhecendo habilidades
Entretanto, é fundamental que a criança possa ter espaço para se experimentar, reconhecer suas habilidades, sentir que tem condições de evoluir no desenvolvimento, que possa sair da fase de total dependência e ir para a fase de dependência relativa. Porém, em algumas famílias a permissividade para a transição de fase, é sentida como negativa, então quanto menos permissão a criança tiver, mais teimosa ela será. É importante ela ter espaço para se testar, então os cuidadores devem dar espaço para ela, mas ao mesmo tempo devem supervisionar, pois ela precisa ainda ser cuidada para não correr riscos de vida e também emocionais como, por exemplo, deixar a criança experimentar subir uma escada, apoiar esse desejo dela, incentivar, mas também ficar junto, falar: “pode subir a escada, a mamãe está aqui, e se você precisar, estou aqui para te ajudar”. Entretanto, isso tudo exige dos cuidadores muita paciência, e também tempo, e essa disposição muitas vezes os cuidadores não tem, então querem fazer pela criança, não lhe dando espaço para o desenvolvimento saudável.
Autonomia x teimosia
E se a criança for saudável a reação que se espera dela, em termos de desenvolvimento, é que ela lute, teime para ganhar o espaço para se testar. O limite entre a autonomia e a teimosia, é a garantia da saúde da criança, por que não deixar ela se testar, se ela não corre riscos? Por que isso dá trabalho, ter filho, educar uma criança dá trabalho, e exige dos pais disponibilidade afetiva, emocional, e nos dias de hoje, isso parece estar cada vez mais escasso em algumas configurações familiares e por isso a criança pode ser mal interpretada, chamada de teimosa no momento em que ela está experimentando a sua autonomia e independência.
Um sentimento de poder
Com o ganho da autonomia, a criança começar sentir que tem condições, habilidades, “poder” sobre os pais, então começa querer fazer tudo sozinha. Costuma querer fazer tudo do jeito dela, quer que seus desejos sejam satisfeitos a todo o momento. Aí entra a teimosia, entretanto, nem tudo pode ser feito conforme a vontade dela. Quando a criança corre riscos de vida, ela não pode ser atendida. Quando ela precisa aprender a lidar com as frustrações ela não pode ser atendida, porque isso também é fundamental para o bom desenvolvimento emocional da criança, pois é nas fases iniciais da vida, que ela aprenderá a lidar com as pequenas frustrações, para mais tarde na vida adulta, ela conseguirá lidar com as maiores frustrações que a vida adulta exige. Por exemplo, a criança quer comer um doce, minutos antes de uma refeição, isso é uma teimosia, algo que irá atrapalhar a refeição que é algo importante para ela.
Conversar e convencer
Então o cuidador deve conversar, explicar de forma objetiva, porque ela não irá comer esse doce, ao mesmo tempo em que faz isso de forma segura. Exemplo: “Filha, você não irá comer este doce agora, pois é importante que você almoce, isso é importante para o teu crescimento, depois da refeição você poderá comer como sobremesa”. Se caso a criança teimar, deve-se dizer, por exemplo: “Você até pode chorar, teimar, mas a mamãe sabe que isso é importante para você, como eu te amo e te cuido bem, não vou deixar você comer o doce, isso já está decidido”. Daí a criança vai se sentir segura, cuidada, porque dar limites é uma expressão de amor, e ela vai compreender, parando de insistir em comer o doce. Só que isso não é uma tarefa simples, ela demanda dos pais uma carga emocional, pois no mesmo momento que eles estão administrando as regras, isso pode gerar dúvidas, medo em dizer não, a criança pode chorar, insistir e os pais sentirem-se ruins em colocar os limites, mas isso é importante que seja realizado.
Como era ontem e como é hoje
Antigamente as crianças não participavam da vida dos adultos, e tinham muito menos estímulos, inclusive, há a uns 50 anos atrás as crianças nasciam e eram enfaixadas, cobria-se o corpo da criança com faixas para que ela ficasse imóvel. Atualmente, as crianças são muito mais estimuladas, elas participam da vida dos adultos, elas observam o que eles fazem, repetem, os pais estimulam mostrando o que eles pedem. A criança da modernidade tem espaço no mundo dos adultos e é estimulada por eles. Elas nascem e já são inseridas naturalmente na vida e dos pais, e nesta já começam a participar da tecnologia da vida dos pais, a televisão, computadores, celulares, tablets... A criança está imersa no mundo da tecnologia, e isto não vai retroceder, as novas formas de brincar, de ver o mundo é tecnológica, e ela faz parte dessa era. Porém, isso tudo tem que ser organizado de uma forma que influencie de forma saudável na vida das crianças, no entanto, isso tudo tem que ter limites, estabelecer tempo de uso da tecnologia, estabelecer os tipos de tecnologias a serem utilizados, em que ocasiões devem ser utilizados.
Brincando com a natureza
Mas sempre lembrando que o brincar de jogar bola, ir na pracinha, ter contato com a grama, com o barro, desenhar, brincar de bonecas, de carrinho, criar objetos com massinha de modelar, recortar e criar aviões, o brincar espontâneo e não estruturado e nem tecnológico, é base fundamental para o desenvolvimento saudável da criança, pois ele permite ao criar, o imaginar e isso é extremamente constitutivo da personalidade da criança, e não deve em hipótese alguma ser substituído pela tecnologia.