Atenção especial à saúde bucal dos idosos

O que mudou da odontologia do passado à contemporânea

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De acordo com o IBGE, mais de 40% dos idosos no Brasil não possuem seus dentes naturais. O Dr. Bernardo Agostini, professor da Odontologia da Imed, explica porque que isso acontece. O edentulismo (ausência de todos os dentes) é um problema de alta prevalência na população idosa brasileira. Um estudo conduzido com os dados do último levantamento de saúde bucal nacional (Saúde Bucal Brasil 2010 - SB BRASIL 2010) apresentou uma prevalência ainda maior (53,7%) de edentulismo na população de 65 a 74 anos. Esses dados são reflexo da odontologia do passado, de baixa tecnologia e muito mutiladora. Ao contrário da odontologia contemporânea, baseada em prevenção de doenças, promoção de saúde, e, que visa a manutenção dos dentes na cavidade bucal, a odontologia no passado contava com menor recurso tecnológico e com menores possibilidades terapêuticas e preventivas, culminando numa maior perda dentária da população, sendo o edentulismo o desfecho final na população.

 

Medicina & Saúde: A higienização e cuidados periódicos devem aumentar na terceira idade?
Bernardo Agostini: Na verdade, a higienização e os cuidados periódicos devem ser constantes ao longo da vida. A cárie, principal problema odontológico e a doença que afeta o maior número de pessoas no mundo, segundo o Global Burden of Diseases (estudo que estima a carga de doença mundial), rem sua progressão constante ao longo da vida, sendo assim não há um único período de maior susceptibilidade. Além disso, na população adulta e idosa devemos considerar a doença periodontal, doença que afeta os tecidos de suporte dentário (gengiva, ligamento periodontal e osso), também como um grande fator de perda dentária, sendo, geralmente, de caráter crônico e que se desenvolve após certo período de tempo. Dessa forma os cuidados periódicos devem ser constantes, desde a infância para se tornarem um hábito a ser mantido também na terceira idade, não sendo maior somente nessa faixa etária.

 

M&S: Pessoas com idade avançada fazem uma higienização bucal correta?
Bernardo: Com o processo de envelhecimento as pessoas perdem a capacidade de motricidade fina, muitas vezes dificultando a correta higienização bucal. Por outro lado, as populações hoje em dia envelhecem de maneira mais saudável, ou com mais recursos para manter o estado geral de saúde, sendo os idosos capazes de realizar uma higienização correta. Para suprir eventuais debilidades, a tecnologia vem atuando em nosso favor. Escovas elétricas e outros dispositivos de higiene bucal tem sido uma alternativa a essa perda de capacidade motora, servindo como auxiliares para a correta higienização bucal. Além disso, devemos lembrar em não dissociar saúde bucal de saúde geral, pois as questões sistêmicas e motoras podem afetar a correta higienização bucal, dessa forma devemos promover saúde aos idosos de uma forma multidisciplinar e integralizada, para obtermos melhores resultados. 
  

M&S: Como fazer para que eles mantenham uma boa saúde bucal?
Bernardo: É imprescindível uma rotina de consultas, sendo a periodicidade determinada de acordo com as necessidades individuais de saúde de cada um. Além disso, como profissionais da saúde, devemos conhecer a realidade de cada idoso, suas habilidades, capacidades e seus recursos para manutenção da saúde. Os profissionais da saúde, seja de qualquer área, especialmente os cirurgiões-dentistas devem atuar de duas formas, recuperando as sequelas de possíveis doenças e como facilitadores no processo de manutenção do estado de saúde do idoso. Favorecer hábitos e fornecer recursos é essencial, para isso os profissionais devem manter-se atualizados com educação permanente, a fim de propiciar o melhor de evidência e tecnologia para os pacientes. Para essa faixa etária, além da escovação regular, os idosos devem estar atentos a possíveis alterações na cavidade bucal, pequenas lesões ou manchas que devem ter cuidado odontológico imediato. Aos usuários de próteses dentárias o cuidado das mesmas é essencial para a manutenção da saúde bucal.

 

M&S: Quais as doenças bucais que os idosos estão mais suscetíveis?
Bernardo: Além da cárie e doença periodontal, que são também doenças prevalentes às demais faixas etárias, as doenças relacionadas ao uso de prótese dentária devem ter atenção especial. Próteses dentárias móveis, sobretudo as próteses totais quando mal confeccionadas, desgastadas ou mal adaptadas, podem gerar lesões orais como pequenas úlceras ou hiperplasia fibrosa (crescimento anormal de tecido na cavidade bucal). Além disso, o uso contínuo das próteses, sem intervalos de remoção e próteses não devidamente higienizadas podem favorecer o aparecimento de candidíase (irritação com eritema devido infecção pela Candida sp. Bactéria presente na flora bucal normal). Outras duas situações, que não configuram doença, mas, sim, alterações na cavidade bucal, devem ser ressaltadas. Primeiro, a hiposalivação/xerostomia, diminuição do fluxo salivar e sensação de boca seca, fato que ocorre geralmente relacionado à grande quantidade de fármacos utilizados pelos idosos, esta pode favorecer o agravo ou acometimento de outras doenças bucais. E a saburra, presença de acúmulo de resto alimentares e bactérias sobre a superfície da língua formando uma película esbranquiçada de mau odor, oriunda da má higienização da cavidade bucal.

 

M&S: As visitas aos dentistas devem ocorrer com frequência?
Bernardo: A periodização das consultas deve ser de acordo com a necessidade de cada indivíduo. Podemos identificar o risco de desenvolvimento de alguma doença entre esses indivíduos, considerando todos os fatores, sejam eles sociais, sistêmicos e bucais, de acordo com os dados da anamnese e exame clínico e, a partir disso, adotar a correta periodização. Não há uma receita universal, porém no mínimo uma consulta ao ano deve ser realizada.

 

M&S: Quais as doenças da gengiva que podem atingir pessoas idosas?
Bernardo: Na população idosa tem-se uma maior proporção das doenças periodontais, as quais não afetam somente a gengiva, mas sim todos os tecidos de suporte dental, como ligamento periodontal e osso alveolar. A doença tem caráter crônico e inicia geralmente por uma gengivite (inflamação gengival) onde, caso mantida a presença, de placa pode evoluir a uma periodontite. Essa agressão aos tecidos de suporte causa sua destruição e consequentemente a perda de inserção dentária, fazendo com que haja mobilidade dentária e posteriormente em níveis mais avançados à perda de dentes.

 

M&S: As inflamações de gengiva podem ser mais graves?
Bernardo: Da mesma forma que a cárie, as doenças induzidas por placa e que iniciam como inflamação gengival, têm em sua maioria caráter crônico e, portanto, não são mais graves nesta fase da vida por si só. Outras situações bucais como hiposalivação/xerostomia podem, sim, favorecer um maior acúmulo de placa e, consequentemente, uma maior progressão dessas doenças.

 

M&S: A ideia de que a cárie não atinge mais pessoas a partir de determinada idade é mito ou verdade? 
Bernardo: Isso é um mito. A cárie tem sua progressão de forma constante ao longo da vida, podendo afetar os dentes desde o seu aparecimento na cavidade bucal até a perda total dos dentes. Nesta fase da vida devemos cuidar outro tecido dentário, o qual fica suscetível à cárie dental, a raiz do dente. Uma vez que as exposições radiculares são maiores em idosos, devido a um acúmulo de fatores de risco e situações deletérias durante a vida, a raiz do dente fica exposta ao biofilme dentário, que na presença de açúcar pode ser fator determinante para o surgimento da lesão cariosa.

 

M&S: Como devem ser cuidadas as próteses?
Bernardo: Inicialmente, todas as próteses removíveis devem ser escovadas diariamente. Além disso, existem métodos químicos indicados para cada tipo de prótese removível, porém não substituem a escovação. As próteses totais, dentaduras, confeccionadas somente com material acrílico devem ser higienizadas com o uso de hipoclorito de sódio 2,5% (água sanitária) utilizando 1 colher de sopa em 200ml de água, deixando a prótese imersa por 20 minutos 1 vez por semana. Já as próteses parciais removíveis, as que geralmente possuem metal na sua confecção, deve-se utilizar em um copo quantidades iguais de água e vinagre branco, deixando a prótese submersa por 20 minutos semanalmente. Em ambas, podemos utilizar peróxido alcalino (tabletes efervescentes) entre 3-10 minutos, diariamente. Vale lembrar que é imprescindível a escovação das próteses removíveis, sejam totais ou parciais, devem ser escovadas diariamente utilizando uma escova específica para prótese dentária, preferencialmente com detergente ou sabão neutro, para evitar desgaste das mesmas.

 

M&S: Qual a conduta para uma boa saúde bucal na terceira idade?
Bernardo: As consultas regulares são uma obrigação. Além disso, os idosos devem estar atentos a quaisquer alterações na cavidade bucal e procurar atendimento o mais rápido possível. Vale lembrar que as próteses removíveis devem ser retiradas a noite, o idoso não deve dormir com as mesmas. Os cuidados dentários devem ser estendidos às próteses, sendo que essas devem ser higienizadas diariamente. Cuidadores ou familiares dos idosos também devem participar no cuidado dos mesmos percebendo alterações e agindo como auxiliares no processo do cuidado, facilitando ou propiciando o reestabelecimento e manutenção da saúde dos idosos.

 

Dr. Bernardo Agostini é cirurgião-dentista, Mestre em Ciências Odontológicas, Doutor em Epidemiologia, professor do curso de Odontologia e da Pós-Graduação em Odontologia - Nível Mestrado da Imed.

 

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