Com estudos científicos em níveis avançados, pesquisadores têm alcançado progresso no desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus. Testes preliminares, aliás, indicaram uma taxa positiva de resposta imunológica em voluntários. A disponibilização de mais de um milhão de doses da vacina experimental contra a covid-19 até setembro, porém, podem estar subestimadas dependendo de como os testes em estágio avançado serão concluídos, segundo a Universidade de Oxford. Em uma conversa com o jornal O Nacional, o médico infectologista do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), Gilberto Barbosa, esclarece os principais pontos da discussão em torno da corrida científica para a produção da imunização contra o SARS-Cov-2.
ON: Quanto tempo, em média, é necessário para o desenvolvimento de uma vacina?
Gilberto Barbosa: Historicamente o desenvolvimento de vacinas tem sido um processo complexo que envolve múltiplas etapas até a liberação de um produto efetivo para uso da população, geralmente levando vários anos. As vacinas, como outros medicamentos de uso humano, para serem liberadas para uso clínico necessitam passar por uma série de diferentes tipos de estudos, que já estão muito bem padronizados e que fazem parte das exigências legais das entidades reguladoras do uso de medicamentos. Para o desenvolvimento de vacinas inicialmente realizam-se estudos em animais denominados estudos pré-clínicos. Na sequência faz-se os testes em primatas, e depois os testes em humanos, chamados de ensaios clínicos. Resumidamente os ensaios clínicos consistem de 3 fases antes de liberar a vacina para comercialização.
ON: E o que ocorre em cada uma dessas etapas?
Gilbero Barbosa: Nos Estudos de fase I, visam garantir a segurança do medicamento, avaliar se é bem tolerado, sendo realizado num pequeno número de pessoas. Nos Estudos de fase II, avaliam a resposta de produção de anticorpos pelo organismo (defesa) antes e depois da vacinação, e testam a dose da vacina. Na última etapa, os Estudos de fase III, avaliam a eficácia da vacina, geralmente comparando com placebo. Nesta fase são incluídos um grande número de pacientes. Após serem concluídas todas estas etapas de forma consecutiva a vacina poderá ser aprovada e liberada para produção.
ON: Quais são os riscos para a saúde humana ao apressar essas fases para o desenvolvimento da vacina contra o coronavírus? Quais fatores explicam essa velocidade na busca por ela, agora?
Gilberto Barbosa: É bom relembrar que pelo ineditismo desta pandemia do COVID-19 muitas ações têm sido tomadas fora do padrão da normalidade do histórico da medicina.
A busca da vacina em velocidade recorde se deve pelos vários impactos que a pandemia tem trazido nos aspectos econômicos, sociais e principalmente de saúde das pessoas, com as perdas de vidas e comprometimento da saúde mental. Isto tem gerado uma pressão imensa nos profissionais de saúde e nos gestores de todas as esferas. O outro fator para esta corrida às vacinas é a falta, no momento atual, de medicações com comprovação de eficácia com impacto importante nas várias fases do tratamento da infecção. Em termos de risco para a saúde da vacina, pelo que temos acompanhado das 3 vacinas em fase mais adiantada de avaliação, nas fases iniciais do processo que avaliam a segurança do medicamento, elas têm se mostrado seguras apresentando paraefeitos de intensidade leve, mas obviamente elas precisam concluir todas as fases do estudo para podermos fazer uma afirmação mais precisa.
ON: Há muita especulação e divulgação midiática de dezenas de vacinas potencialmente capazes de combater o SARS-Cov-2, mas o que temos, de concreto, em termos de estudos científicos médicos publicados a respeito?
Gilberto Barbosa: Na área de vacinas para COVID-19, hoje existem mais de 100 estudos clínicos em andamento, destes em torno de 10 estão em fase adiantada de execução. Estes estudos estão com registros nos órgãos de controle de suas respectivas áreas de abrangência, e as publicações de impacto maior são aquelas da fase III dos estudos que neste momento estão em andamento.
ON: A partir da comprovação da eficácia de uma dessas vacinas, será possível imunizar toda a população contra o coronavís?
Gilberto Barbosa: As vacinas que serão testadas no Brasil apresentaram uma excelente capacidade de produção de anticorpos contra o COVID-19, em torno de 90%. Isto é um resultado muito animador, mas ainda precisamos da próxima fase da pesquisa para avaliar o quanto estes anticorpos serão realmente efetivos na prevenção da infecção e em que intensidade esta proteção se dará nas diferentes populações de pacientes. Devido a participação do Brasil nos testes, inclusive como parte da cadeia produtiva de algumas vacinas, isto propiciará a oportunidade de termos disponibilizado as vacinas mais precoces e numa quantidade boa, certamente permitindo que se oferte a imunização para, se não toda a população, a maioria e principalmente para os grupos de risco.
ON: E por que o Brasil foi o país escolhido para o teste de 4 dessas vacinas que estão sendo produzidas?
Gilberto Barbosa: Certamente um dos fatores fundamentais é a situação epidemiológica atual do país nesta pandemia. Estamos em uma fase com uma elevada ocorrência de casos de COVID-19, enquanto a maioria dos países Europeus e China estão com poucos casos novos, portanto esta é uma oportunidade para que a pesquisa se concretize mais rápido utilizando a população brasileira. Também contribuiu o conhecimento científico produzido no Brasil nesta área além da experiência e capacidade instalada dos centros de pesquisa brasileiros na área de testes de vacinas.