PANDEMIA: "Bolhas de proteção local" podem ser um dos motivos da redução de casos, aponta especialista

Doutor em Virologia, Gustavo Olszanski Acrani ainda desaconselha volta às aulas presenciais e eventos de grande porte

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O especialista analisa o momento atual da pandemia e a condução em Passo Fundo (Divulgação/ON )O especialista analisa o momento atual da pandemia e a condução em Passo Fundo (Divulgação/ON )
O especialista analisa o momento atual da pandemia e a condução em Passo Fundo (Divulgação/ON )
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O mês de setembro foi marcado pela queda de casos e hospitalizações por Covid-19 em Passo Fundo. Foram confirmados 1.280 casos, pouco mais da metade do que em agosto, quando a cidade registrou 2.350 infectados. O começo de outubro aponta para uma manutenção da queda dos números: são 162 casos ativos e 66 hospitalizados em 06 de outubro.

Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e Doutor em Virologia pela Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Olszanski Acrani avalia que ainda é cedo para estabelecer uma causa concreta diretamente relacionada a esse fenômeno. No entanto, aponta como uma das possibilidades para a redução, a formação de “bolhas de proteção local” . 

Com o avanço da pandemia, há mais pessoas com anticorpos e menos pessoas susceptíveis à infecção. “Um estudo realizado pela USP sugere que as pessoas infectadas pelo novo coronavírus estão próximas a indivíduos imunes ao vírus, ou por já terem contraído, e se curado da doença, ou por estarem efetivamente doentes, mas assintomáticos. Assim, mesmo que essas pessoas tenham contato entre si, a doença não é transmitida”, explica Gustavo. Ele considera a possibilidade da existência de bolhas como essas em Passo Fundo. 

O outro fator seria o comportamento das pessoas. “Além de vivermos hoje o maior momento de flexibilização desde o início da pandemia, parece que as pessoas não se impressionam mais com a doença, o que pode fazer com que diminua a procura por atendimento em casos leves, diminuindo assim o diagnóstico de novos casos”, analisa o especialista.

Óbitos

A cidade seguiu registrando mortes pela doença quase todos os dias em setembro. “É possível que ocorra uma redução do número de óbitos em breve, como reflexo da diminuição do número de novos casos. No entanto, a redução nos óbitos é percebida de forma mais lenta, uma vez que a maior parte dos indivíduos que vêm a óbito são aqueles com casos mais graves, que necessitam de internação prolongada”, explica o professor. A taxa de mortalidade em Passo Fundo é de 81.7 por cem mil habitantes. “Com a taxa alta, a curva de diminuição do número de óbitos tende a ser mais lenta”, analisa Acrani. 

Curva

“A busca pelo momento do “pico da curva”, ao meu ver, gera mais falsa esperança e ansiedade do que traz conforto de fato”, analisa o professor. Ele destaca que o pico varia conforme o lugar e depende de fatores complexos que exigem dados muito apurados. “O termo se refere a um período, em que se observa um número constante de novos casos na curva, a qual é mantida por um determinado tempo”, explica o professor.

Arte: Bruna Scheifler/ON

Em Passo Fundo, foram registrados mais casos ativos e óbitos no final de julho e durante o mês de agosto, de acordo com o professor. No entanto, “o número de casos só começou a estabilizar recentemente, na última semana, dificultando a previsão da chegada do pico da curva aqui em Passo Fundo”, avalia Acrani. A flexibilização do distanciamento social faz com que os fatores que influenciam o comportamento da curva fiquem “completamente descontrolados”. “O melhor a fazer é manter as medidas de prevenção e procurar realizar o distanciamento social sempre, desta forma, talvez seja possível evitar uma segunda onda, prevista para acontecer ainda este ano ou no final de janeiro de 2021”, destaca o professor.

Análise

A pandemia em Passo Fundo começou com o fechamento de serviços não essenciais, no entanto, seguiu com momentos de reabertura intercalados com novos fechamentos. Sobre a condução da pandemia na cidade, o professor considera um acerto o fechamento imediato. “Acredito que esta medida, juntamente com o isolamento social praticado pela maior parte da população, tenha auxiliado a conter a chegada e disseminação do vírus em um primeiro momento, dando tempo da rede de saúde se preparar”, ressalta Acrani.

A criação do Centro de Triagem do Coronavírus no Cais Petrópolis é apontada como o segundo acerto, assim como formação do Comitê de Operações Emergenciais (COE). O fato de Passo Fundo ter três cursos de graduação de medicina é outro fator que colaborou na condução da pandemia, sendo que alunos dos últimos semestres puderam atuar no combate à doença e que formaturas puderam ser antecipadas. 

Quanto aos erros na condução da pandemia, o professor preferiu não especificar as falhas. “Eventuais falhas são normais, e existem principalmente por se tratar de uma doença nova, sem que tenhamos ainda o domínio completo de sua forma de atuação frente à população, o que ocorreu no mundo todo”, explica.

Expectativas

Para os próximos dias, o professor prevê uma estabilidade no número de casos e óbitos. “No entanto, países Europeus que adotaram uma política de distanciamento social mais rigorosa que a adotada no Brasil, estão hoje observando uma segunda onda da doença. E isso provavelmente vai ocorrer aqui também”, destaca o especialista. Assim, as previsões ficam complicadas, “sendo necessário estarmos sempre alertas e pedir que a população mantenha os cuidados e realizem as medidas de prevenção e distanciamento social”, ressalta Acrani. Os dados sobre casos, óbitos e ocupação de leitos de UTI (ontem em 72.6% em Passo Fundo) precisam ser analisados de perto, “pois são os principais indicadores sobre a estabilidade da doença”, ressalta o professor.

Escolas 

A região discute no momento a volta das aulas presenciais, a adoção de protocolos de bandeira amarela e os eventos de maior porte. Sobre a volta às aulas, o professor destaca que a doença é mais branda em crianças, apesar de casos graves e óbitos já terem sido registrados. “Além de diferenças biológicas que possam influenciar a gravidade da doença na população pediátrica, esse é um grupo de indivíduos que está menos exposto, justamente porque as escolas estão fechadas. E, no meu ponto de vista, se quisermos manter esses números como eles estão hoje, devemos sim manter as escolas fechadas por um período ainda maior”, ressalta o professor. Em relação aos eventos de grande porte, Acrani considera “complicado arriscar um possível desequilíbrio na estabilização recente do número de casos com eventos que tenham aglomeração de pessoas”.

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