Entre agosto e outubro deste ano, uma turma do curso de Psicologia da Universidade de Passo Fundo (UPF) realizou uma pesquisa com mais de mil gaúchos sobre saúde mental durante a pandemia do novo coronavírus. As respostas para as mais de 60 perguntas revelam um cenário de preocupação, medo e estresse. A grande maioria dos entrevistados, 89,2%, concorda que a pandemia foi o fenômeno social mais tenso de suas vidas e 68,9% consideram que a pandemia passou a sensação de um filme de terror.
O questionário foi divulgado pelos alunos em suas redes sociais. Assim, mais de 40% dos respondentes são de Passo Fundo. Em seguida, estão moradores de Porto Alegre e de outras cidades da região de Passo Fundo. Ao todo, residentes de 117 municípios do Rio Grande do Sul responderam a pesquisa. "É um recorte importante de uma parcela da população”, destacou a professora Maristela Piva, orientadora do estudo.
A maioria dos que responderam tem entre 18 a 35 anos, 78% são mulheres e predomina a escolaridade alta. As profissões são variadas, mas 51% estavam estudando no momento da pesquisa. Quanto à família, 56% afirmaram ter filhos, 46% estavam solteiros e a maioria disse morar com outras pessoas.
Economia
Entre os entrevistados, 14% disse ter pedido emprego e muitos recorrem ao auxílio emergencial. A maioria dos respondentes estava trabalhando presencialmente, sendo 70% dos entrevistados. Quase 30% tiveram horas de trabalho reduzidas e 26% tiveram diminuição do salário.
Infecção
A pandemia é considerada muito grave por 61% dos participantes e 31% disseram que é grave. Mais de 80% afirmou não ter contraído o vírus, mas 27% disseram que alguém da família teve o coronavírus. Apenas 4,6% contraíram o vírus e 12,3% não conseguiram confirmar a infecção. Além disso, 9,3% dos entrevistados perderam alguém da família para a Covid-19.
Sentimentos
Considerar a pandemia o fenômeno mais tenso da vida e um filme de terror, “já seria um fator de risco à saúde mental”, de acordo com a professora Maristela. Além disso, entre os que aderiram ao isolamento social, 32,2% caracterizaram a pandemia como um período de muita preocupação, estresse e ansiedade. Outros 26,6% a caracterizaram como relativamente estressante. Para outros, o isolamento foi um período diferente e de muitas descobertas.
No isolamento, os sentimentos de ansiedade, insegurança, desânimo e tristeza destacam-se como mais prevalentes. A pandemia também causou medo e 70,8% disseram ter sentido mais medo do que de costume durante esse período. O desânimo também apareceu para 72,6% dos que ficaram em isolamento.
Essas respostas, no entanto, não querem dizer que as pessoas estão doentes, de acordo com a avaliação da professora Maristela. “Diante de algo inevitável é natural que esses sentimentos aconteçam", ressaltou a psicóloga. Ela reforça a necessidade de se tomar medidas de apoio e de segurança. “Estresse todos estamos tendo. Mas algumas pessoas, que já estejam mais frágeis, precisariam de um cuidado mais especial”, disse Maristela.
As causas para o sofrimento ou preocupação são variadas. A principal é a preocupação com os familiares, indicada por 84,8% dos gaúchos. Em seguida vem a economia (44,3%) e ficar isolado em casa (42,2%). Nesta questão os participantes poderiam marcar mais de uma opção. “A gente percebe que essa preocupação com os vínculos familiares é mais forte que as demais”, destaca a professora. O medo de perder um ente querido foi compartilhado por 87% dos gaúchos, o que contribui para o aumento do estresse.
Comportamento
Durante a pandemia, a qualidade do sono piorou para 54,1% dos entrevistados. Além disso, 80,9% afirmou fazer ou ter feito uso de remédios para dormir. “Geralmente em períodos de tensão o que mais afeta é o sono”, destacou a professora. Ela também ressaltou que não foi questionado o tipo de medicamento.
Os gaúchos também estão comendo mais e comprando online com mais frequência. “Talvez não seja uma coisa exagerada, mas a própria questão do isolamento social tem incentivado as compras online e isso vai incrementando um hábito que não era tão comum”, explica Maristela, que considera que esses hábitos podem indicar novos padrões comportamentais e de consumo. “Algo que talvez se mantenha mesmo depois que termine a pandemia”, afirma a psicóloga.
Apesar da maioria ter conseguido ter momentos de lazer, 7% disseram que não conseguiram ter esses momentos. “Para alguns o momento é tenso e desagradavel e sem poder relaxar fica difícil para saúde mental”, diz a professora Maristela. Os gaúchos buscaram, nesta ordem, TV e filmes, interação com a familia, livros, chamadas ou videochamadas, dormir, realizar atividades fisicas e relações sexuais para ter lazer ou prazer durante a pandemia. O padrão destaca a importância de manter o contato com os outros e com o mundo. “Assistir TV é uma forma de ficar conectado com o mundo e ter um distanciamento do entorno difícil”, explica Maristela.
Mesmo a pesquisa tendo a maioria de respondentes jovens, uma população em média sexualmente ativa, 40% disseram que a pandemia interferiu na libido sexual. Esta é mais uma consequência do estresse no comportamento das pessoas, de acordo com o estudo.
Por outro lado, 32% dos respondentes concordaram parcialmente e 16% totalmente que o estresse pode ter contribuído para novas descobertas.
Assistência Psicológica
A pesquisa também perguntou se os entrevistados sentiram a necessidade de buscar tratamento psicológico. A maior parte, 48,3%, disseram que não. Outros 37,2% responderam que sim e 14,5% já estavam em atendimento psicológico. A professora considera o número alto e credita isso ao fato de muitos respondentes terem relações com os alunos que divulgaram a pesquisa e que cursam psicologia. Sobre o consumo de remédios para ansiedade, 32% relataram ter feito uso.
A pesquisa concluiu que os efeitos da pandemia na saúde mental dos gaúchos podem durar por muitos anos. A professora afirma que iniciativas de apoio psicológico, como as oferecidas por universidades, terão que ser mantidas por muito tempo, assim como campanhas de prevenção por meios de comunicação, e cogita a possibilidade da criação de grupos de autoajuda para quem perdeu familiares.
A importância de comunicar sobre a pandemia também é ressaltada pela professora. “A gente deve poder trabalhar com esse trauma, mesmo que a gente não tenha perdido ninguém, todo mundo está dizendo que foi um ano perdido, mas não deve ser um ano perdido, tem que ser um ano para refletir”, destacou Maristela.
Negação
“As pessoas estão assustadas, angustiadas, tiveram perdas importantes, de familiares e também fantasias de possíveis perdas”, concluiu a professora Maristela. O prolongamento da pandemia também é destacado. “Isso tudo tem feito o pessoal se descuidar de algumas medidas, como máscara, isolamento, tivemos uma decaída disso. O pessoal tá cansado, tá chateado, a frustração tá batendo na porta”, analisa a psicóloga que considera a situação um risco.
O momento, no entanto, é outro. "No início as pessoas estavam mais assustadas”, lembra a especialista. Por isso, o questionário já foi encerrado. “O pessoal está perdendo um pouco o medo, temos que enfrentar, não podemos desvalorizar, não dá pra negar. As pessoas negam, é dolorido, é dificil e é assustador. A negação é doentia”, destacou Maristela.
Resultados
Os resultados da pesquisa confirmaram uma percepção que a turma já tinha. “Pela opinião que eu formei, a partir do que a gente foi lendo, eu esperava que ia aparecer ansiedade e medo. Até pelo o que eu tinha vivenciado em casa”, relatou a estudante Anna Luzia Pereira, de 23 anos. “Já tinha de antemão uma ideia, escutando das pessoas. Mas não pode ficar no achismo, a importância da pesquisa é de fato trazer dados confiáveis, destacou a professora Maristela.