A angústia do médico entre tratamento precoce e vacina para Covid-19

(*) Hugo R. K. Lisboa, MD, PhD

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(*) Hugo R. K. Lisboa, MD, PhD é endocrinologista e professor de Medicina da IMED(*) Hugo R. K. Lisboa, MD, PhD é endocrinologista e professor de Medicina da IMED
(*) Hugo R. K. Lisboa, MD, PhD é endocrinologista e professor de Medicina da IMED
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Essa terrível pandemia do Covid-19 tem trazido na sua esteira comportamentos humanos muito curiosos. No ano passado, num momento de crescimento do número de casos e de aumento da mortalidade, vi formarem-se filas em clinicas de vacinas aqui em Passo Fundo. Embora houvesse uma preferência para vacina da gripe acho que muitos topariam qualquer vacina. Com o passar do tempo e com a progressão dessa doença pouco conhecida houve uma procura por remédios que combatessem o vírus, o que está certo. Haviam sido testados alguns remédios in vitro, com sucesso. A partir dessa premissa e como algumas medicações já eram usadas há um bom tempo em humanos foram testados nessa nova indicação. Infelizmente, repetidos estudos não mostraram efeito benéfico em casos moderados e graves. Nessa altura, surge proposta do “tratamento precoce”. A ideia era de usar antivirais num período inicial da doença sendo que qualquer sintoma gripal já seria o sinal verde para tratamento. Numa doença que se apresenta assintomática ou como caso leve em 80 % dos infectados, era fácil acertar. Se dessem chá de carqueja a chance da pessoa melhorar era de 8 contra 2.

 “Tratamento precoce”

Paralelamente, havia uma corrida desenfreada pelo desenvolvimento de vacinas que, geralmente, era acompanhada de notícias catastróficas associadas ao seu uso. Ouviu-se: vacina não funciona e dá efeitos colaterais graves. Circulou que, dependendo do país de origem, a vacina poderia induzir a comportamentos bizarros devidos a implantação cerebral de chips químicos capazes de roubar informações da pessoa incluindo-a, inadvertidamente, numa grande conspiração mundial para tomada do poder. Comunistas, por suposto. Decididamente, a turma das fake news pode ser bastante criativa. O crescimento do uso “tratamento precoce”, já transformado em dogma pelo presidente da República e pelo general ministro da Saúde, incorporou-se a toda a população brasileira. Mesmo que o País registrasse o segundo lugar no mundo em número de mortos o tratamento com cloroquina, invermectina, azitromicina, Anitta, zinco e vitamina D reinou absoluto nos esquemas mais variados sendo até usado como preventivo da doença. Tipo, vacina.

Dilema

Com a chegada tardia das vacinas, agora sim, referendadas por estudos positivos robustos e avalizadas pela Organização Mundial de Saúde e pela nossa ANVISA, houve certo contrafluxo. Verificou-se uma procura pelas vacinas, mesmo as mal vistas, como a chinesa Coronavac. Entre os grupos prioritários se imiscuíram na fila, criminosamente, pessoas que não tinham prioridade e que até há pouco eram “precocistas”. Mesmo assim, mais de 30% da população declarou que seguirá o presidente e não tomará a vacina. Um horror. Dessa forma, no trabalho médico diário, enfrenta-se um dilema. Paciente que chega com exame do cotonete nasal positivo e com poucos sintomas, pede remédios. Recomenda-se o tratamento sintomático, que é o correto, mas muitas vezes não satisfaz o freguês. Há uma demanda pelo “kit do tratamento precoce” mesmo sem evidência de eficiência. Por outro lado, quando se indica a vacina, ainda, há uma série de questionamento quanto à eficácia e os “efeitos colaterais”.

Pressão e negação

Estamos nessa situação. Há uma pressão para ser usada uma estratégia que não tem comprovação de eficácia e uma negação do uso do único recurso que pode controlar a pandemia diminuindo os casos. A vacina nos fez ganhar 30 anos de expectativa de vida no último século levando o ser humano a ter um tempo de vida nunca visto na história do homo sapiens. Precisamos de condução médica nesta doença com um programa nacional inequívoco. Almeja-se que o Ministério da Saúde nos dê as orientações certas e não continue cometendo os equívocos fatais na condução da pandemia, atitude que tem feito reiteradamente. Viva a ciência e viva o Dr. Eduard Jenner, o inventor da vacina. 

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