Ao invés de encarar horas de viagem em deslocamentos demorados até um centro médico mais próximo, é através de uma tela de computador ou do celular que mais de cinco mil pacientes já tiveram um atendimento primário em saúde através da startup Doutor Call. Desenvolvida em Passo Fundo pelo então acadêmico de Medicina da IMED, Jefferson Cunha, a ferramenta abreviou a chegada da telemedicina no município.
Com a regulamentação da prática de consultas virtuais ainda em março do ano passado, quando a pandemia começou a golpear com força as localidades brasileiras e a infligir uma sobrecarga nas unidades hospitalares, o agora médico conta que o núcleo da interface surgiu a partir da criação da central de teleorientação no centro de ensino. Alguns meses depois, a ferramenta foi apresentada para a rede de farmácias São João, que respaldou o dispositivo. “Convidamos outros médicos para trabalhar junto e começamos a fazer um link. Estamos vendo que a telemedicina é uma realidade que não tem mais volta com inúmeros impactos positivos. Vão surgir regulações, que são necessárias tanto para a boa prática quanto para a segurança do paciente. Estamos pensando, agora, no cuidado com os pacientes crônicos”, comentou Cunha. “O monitoramento dos pacientes, o controle deles. Muitos ficam um ou dois anos sem ir ao médico e, quando voltam, retornam descompensados. Então, possibilita uma efetividade do tratamento”, especificou.
Contato virtual
Embora a relação entre médicos e pacientes tenha saído dos consultórios físicos para a virtualidade, as questões éticas de sigilo, salienta Jefferson, se mantêm. “Como se geram dados sensíveis, eles são tratados com criptografia. Então, se houver um ataque hacker dentro da plataforma, eles vão receber dados que não serão possíveis decifrar. Isso acaba sendo mais específico”, mencionou o médico. “A limitação, ainda, é o exame físico. Precisamos ter uma anamnese muito mais detalhada e saber esmiuçar com uma linguagem mais assertiva nas perguntas ao paciente para conseguir entender, de fato, o que está acontecendo”, focalizou.
A escalada na adesão à telemedicina, prossegue o médico, rebocou uma ascendência em outras tecnologias para auxiliar o profissional na rotina de trabalho. “Estudamos várias ferramentas que surgem no mercado, que são periféricos para você aferir parâmetros do paciente e conseguir ter uma base sobre a saúde dele, como ver os padrões básicos de sinais vitais”, explicou Jefferson. “É uma forma de aprimorar a telemedicina, então ela já está passando para ser um outro modelo que deixa de ser apenas uma videochamada. A pandemia fez o nosso país evoluir 10 anos de barreiras que ainda tínhamos”, observou o médico ao mencionar o surgimento da prática, antes restrita às ligações por telefone, nos Estados Unidos. “Ela não é uma novidade. Antes tínhamos teleconsultoria e telediagnóstico quando, por exemplo, uma tomografia era feita em Passo Fundo e o laudo era para um radiologista em Minas Gerais”, exemplificou.
Além de acelerar as novas práticas na área médica e psicológica, a telemedicina caminha para preencher as lacunas de atendimento em saúde nas áreas periféricas ou remotas, destaca Jefferson. “Conseguimos ver agora populações ribeirinhas que nunca tiveram atendimento médico ou, se havia, era muito escasso. É uma grande discussão porque a telemedicina não é diferente da Medicina, ela faz parte. É um instrumento para democratizar mais a saúde”, ressaltou. “Tivemos muitos perfis. Desde população de fronteira do Rio Grande do Sul que tinham atendimento com médico estrangeiro, que não podiam validar tratamento no país, às pessoas em sofrimento psicológico que estavam precisando de atendimento e recorreram à telemedicina. Houve um avanço no número de consultas em saúde mental dentro da plataforma”, contou o médico. “Temos que pensar muito na educação dos profissionais porque não basta você apenas fazer uma consulta, você tem de estar preparado para isso e saber o uso das tecnologias. Ela veio como uma ferramenta para assistir os pacientes, mas também como um desafio dentro da saúde”, considerou Jefferson.
O que diz a lei
Há mais de um ano em vigor, a lei que respondeu à demanda por atendimentos médicos virtuais durante a crise sanitária regula a prática para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde. De acordo com o texto, o paciente é informado sobre as limitações da telemedicina, uma vez que não é possível realizar exames físicos durante a consulta. A prestação desse serviço, embasado nas páginas votadas em plenário na Câmara dos Deputados, segue os mesmos padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação aos pagamentos, conforme explicou Jefferson.