“Essa escalada de juros precisa ter fim”. A afirmação categórica do presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS), Claudio Bier, indica o sentimento de agentes do setor produtivo em relação à recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar em um ponto percentual a taxa Selic, para 14,25%. Essa foi a quinta alta seguida do índice, que representa os juros básicos da economia brasileira, e, por isso, influencia todas as taxas de juros praticadas no país – sejam as que um banco cobra ao conceder um empréstimo, sejam as que um investidor recebe ao realizar uma aplicação. Num cenário ampliado, a variação tem efeitos no crédito, na produção e no consumo.
Com a nova elevação, a taxa está no maior nível desde outubro de 2016, quando também estava em 14,25% ao ano. Além de esperada pelo mercado financeiro, a elevação em 1 ponto havia sido anunciada pelo Banco Central na reunião de janeiro. Após chegar a 10,5% ao ano de junho a agosto do ano passado, a taxa começou a ser elevada em setembro do ano passado, com uma alta de 0,25 ponto, uma de 0,5 ponto e duas de 1 ponto percentual.
Numa breve manifestação logo após o anúncio do BC, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou que essa era a perspectiva. “Esse aumento [de juros], na verdade, teve um guidance no final do ano passado. Isso que aconteceu. O presidente do Banco Central [Gabriel Galípolo] disse em entrevista coletiva que o guidance seria observado”, declarou Haddad. No jargão do mercado financeiro, guidance representa um indicativo das direções a serem seguidas por uma empresa ou instituição financeira.

As justificativas
O Banco Central (BC) argumentou que a alta do preço dos alimentos e da energia e as incertezas em torno da economia global fizeram aumentar mais uma vez os juros. Em comunicado divulgado na quarta-feira (19), o Copom afirmou que as incertezas externas, principalmente pela política comercial do país, suscitam dúvidas sobre a postura do Federal Reserve (Fed, Banco Central norte-americano). Em relação ao Brasil, o texto informa que a economia brasileira está aquecida, apesar de sinais de moderação no crescimento.
O órgão alertou que existe o risco de que a inflação de serviços continue alta e informou que continuará a monitorar a política econômica do governo. “O comitê segue acompanhando com atenção como os desenvolvimentos da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o regime fiscal e a sustentabilidade da dívida segue impactando, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes.”, destacou o comunicado.
Os efeitos
A Selic é o principal instrumento do Banco Central para manter sob controle a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em fevereiro, o IPCA ficou em 1,48%. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o fim do bônus de Itaipu sobre a conta de luz e o preço de alguns alimentos contribuíram para o índice. Com o resultado, o indicador acumula alta de 4,87% em 12 meses, acima do teto da meta do ano passado. A meta de inflação que deve ser perseguida pelo BC, definida pelo Conselho Monetário Nacional, é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
O comunicado do Copom também trouxe as expectativas atualizadas do Banco Central sobre a inflação. A autoridade monetária prevê que o IPCA chegará a 5,1% em 2025 (acima do teto da meta).
Crédito mais caro
O aumento da taxa Selic ajuda a conter a inflação. Isso porque juros mais altos encarecem o crédito e desestimulam a produção e o consumo. Por outro lado, taxas maiores dificultam o crescimento econômico.
Na avaliação do presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Passo Fundo (CDL-PF), Evandro Pereira da Silveira, o aumento é “extremamente negativo” para o ambiente de negócios e para o varejo. “Dependemos bastante da concessão de crédito, das pessoas terem crédito, e com a taxa de juros mais alta, as parcelas de financiamentos ficam mais altas, cartão de crédito fica mais alto, tudo fica mais caro, o que drena recurso que poderia ser direcionado para o consumo, para eventualmente quitação de dívidas ou até mesmo para pagamento de dívidas”, detalha.

O empresário pondera que, por outro lado, a inflação também é danosa aos negócios e para o mercado de uma forma geral, por isso precisa ser controlada. “O que a gente vive, na verdade, é um momento econômico delicado. Onde as coisas precisam se encaminhar para uma estabilidade, para uma previsibilidade, em que se possa fazer um planejamento nas empresas dentro de um cenário previsível, ou seja, que a gente possa ter no início do ano um plano de negócios e no decorrer do ano executar ele dentro da realidade aquela inicial, sem muita oscilação. Quando a gente olha para a taxa de juros, ela tem muito mais a cara de uma consequência do que uma causa. E a gente trabalha na expectativa de que os governantes possam administrar a nossa economia de uma maneira competente o suficiente para que nem tenhamos juros altos, nem tenhamos inflação alta”, defende Silveira.
Entidades patronais e laborais convergem em posições
Na avaliação do presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS), Claudio Bier, não dá mais para tentar consertar a economia aumentando a taxa. “O remédio está pesado demais”, reclamou. Segundo Bier, há alguns meses, isso ainda fazia sentido, mas, atualmente, empresas perderam o crédito, pararam de investir, os bancos ficaram muito seletivos e a economia está sofrendo as consequências.
Para o presidente da FIERGS, a solução passa por outros caminhos, como o governo controlar seus gastos. “Não dá para punir sempre o setor produtivo e a população”, encerrou, em nota divulgada pela entidade.
Sua crítica reflete o posicionamento semelhante da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Conforme a entidade, a decisão do Copom do Banco Central não tem outros efeitos além de prejudicar a economia, e a taxa alta desconsiderou a queda do dólar e da cotação do petróleo no mercado internacional, fatores que ajudam a segurar a inflação. “Outros fatores vão contribuir para a redução da inflação e, por isso, não poderiam ter sido desconsiderados pelo Banco Central em sua decisão, avalia a CNI. Um deles seria a valorização cambial. O dólar, que fechou 2024 a R$ 6,19, passou a R$ 5,68, em 18 de março de 2025". O segundo é a queda no preço do petróleo.
Impacto no emprego
O aumento dos juros também foi criticado pelas centrais sindicais. Em nota assinada pela Direção Executiva Nacional, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) manifestou repúdio à decisão do Comitê de Política Monetária. “As sistemáticas elevações da taxa Selic resultam em maior aumento do custo do serviço da dívida pública, pressionando as contas do governo federal e limitando seu espaço fiscal para investimentos em infraestrutura e políticas sociais. Além disso, desestimula o investimento produtivo e canaliza os capitais nacionais e estrangeiros para a especulação financeira, impactando negativamente a geração de emprego, trabalho decente, renda e poder de compra, em especial de alimentos”, afirmou, complementando que aumentar os juros em um cenário de inflação de oferta pode desacelerar ainda mais a economia, reduzindo o consumo e o investimento sem resolver a causa raiz da inflação. “É necessário e urgente dar um basta na elevação da taxa Selic”.
Nessa mesma linha, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, destacou que a atual política econômica está destoando dos anseios da classe trabalhadora. “Elevar os juros nesse momento traz mais incertezas. A decisão trará efeitos negativos sobre a criação de empregos e renda. Os juros continuam proibitivos e o Brasil perde outra chance de apostar na produção, no consumo e na geração de empregos”, diz Torres, em nota.
Perspectiva de alta
Em relação às próximas reuniões, o Copom informou que elevará a Selic “em menor magnitude” na reunião de maio e não deixou pistas para o que acontecerá depois disso.
“Para além da próxima reunião [a partir de junho], o Comitê reforça que a magnitude total do ciclo de aperto monetário será ditada pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerá da evolução da dinâmica da inflação”, ressaltou.