OPINIÃO

O homem do bandoneon

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Faltavam poucos minutos para as 19h, quando, na última quarta-feira (27/11/2024), um automóvel estacionou apressado junto ao palco montado no pátio da Gare Estação Gastronômica, em Passo Fundo. Do banco dianteiro, assento ao lado do motorista, desceu, apoiado por um andador, um senhor alto, magro, de óculos, bigode gris e trajado à gaúcha com esmero. Usava chapéu, camisa azul listrada, lenço vermelho no pescoço, bombacha e colete em estampa risca de giz. Era Plínio Mena Barreto do Amaral, o Tio Mena, que prestes a completar 100 anos, se fazia presente para a cerimônia de abertura do Festival Tio Mena de Bandoneon, que iniciaria em instantes.

Plínio Mena Barreto do Amaral, que completará 100 anos no próximo dia 8 de dezembro, é um ícone da cultura musical em Passo Fundo. Um virtuoso do bandoneon que, não sem razão, empresta o seu nome e imagem ao Festival Tio Mena de Bandoneon. Além de o seu talento ter servido para justificar o título de “Capital Estadual do Bandoneon” para Passo Fundo, conferido, em 2013, via Lei promulgada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

Tio Mena, apesar de algumas limitações inerentes à idade, nessa noite, esbanjava lucidez, simpatia e cordialidade. No palco, pediu para quebrar o protocolo e, antes da sessão iniciar formalmente, convidou os seus familiares (filhas, genro, netos e bisneto) para se juntarem a ele, pois queria fazer, publicamente, um agradecimento especial por tudo o que eles têm feito para ajudá-lo na fase da vida que ele ora se encontra. Somente os grandes conseguem expressar GRATIDÃO e reconhecer o que os outros fazem por eles. E, nesse ponto, além de todo o talento musical, Tio Mena deu uma demonstração de humildade diante da graça e do apoio que tem recebido ao longo dessa sua jornada quase secular aqui na Terra.

O protocolo escrito e comandado pela Secretária de Cultura de Passo Fundo, Miriê Tedesco, começou invocando a letrada do tango “Garganta con arena”, de Cacho Castaña, de cujo estribilho destacou “Canta, garganta con arena/ Tu voz tiene la pena que Malena no cantó/ Canta, que Juárez te condena/ Al lastimar tu pena con su blanco bandoneón”, e seguiu com os versos do tango brasileiro “Carlos Gardel”, letra de David Nasser e música de Herivelto Martins, “Tango, bandoneon, uma guitarra que chora/ Num ritmo de amor desesperado/ Um cabaré que fecha suas portas/ Uma rua de amor e de pecado”. Em ambos deu destaque ao bandoneon que, não por acaso, é o instrumento que o homenageado da noite cultua desde os 15 anos de idade. As homenagens seguiram com músicos de qualidade e virtuosos do bandoneon, como Carlitos Magallanes, que, acima de tudo, tocaram para celebrar os 100 anos do Tio Mena. E culminou com Tio Mena brindando o público com duas músicas, sendo a primeira uma valsa em homenagem a sua terra natal, Lagoa Vermelha, demonstrando, inequivocamente, que, quem é rei, nunca perde a majestade e faz ao vivo.

Plinio Mena Barreto do Amaral, o filho do capitão da Guarda Nacional, Felipe Olímpio Barreto do Amaral, e de Altiva Ferreira do Amaral, nasceu no dia 8 de dezembro de 1924, no 1º Distrito de Lagoa Vermelha, hoje município de Capão Bonito do Sul. Foi criado nas lides do campo até os 19 anos. Estudou até o “quinto livro”. Serviu o Exército Nacional, tendo dado baixa como 3º sargento. De volta à terra natal, montou uma serraria, em sociedade com o irmão Veridiano e o vizinho Eugênio Nicoló. Casou-se com Elza de Souza do Amaral (falecida em 2012). E, em 1957, mudaram-se para Catuípe, nas Missões. Nessa região, teve bar, churrascaria, em Santo Ângelo, e formou o Conjunto Anay. Do casamento com Dona Elza, nasceram filhas, Circe Maria, casada com Valdir Mozzini, e Zenilda (Kika) Barreto do Amaral, casada com José Goulart, que lhes geraram os netos e netas, Carolina Barreto Mozzini, Ricardo José Mozzini, e os gêmeos José Ricardo e Guilherme Barreto Goulart. Em 1964 aportou em Passo Fundo, e, entre idas e vindas, após passagem por Mato Grosso do Sul, trabalhando com transporte de grãos, aqui se arrinconou e começou a vivenciar, intensivamente, as atividades culturais do CTG Lalau Mirando e, posteriormente, como sócio fundador, do Tropel de Caudilhos.

Foi em Passo Fundo que Tio Mena, que havia sido pecuarista, madeireiro, caminhoneiro, comerciante, ecônomo, funcionário público, empresário musical e músico, sempre tocando bandoneon, depois de ter arrematado os mais variados prêmios nos Festivais do MTG (FEGART e ENART), em 2003, com o apoio de familiares, idealizou a realização do Primeiro Encontro de Bandoneon, que aconteceu nas dependências do Teatro Múcio de Castro. E o resto é história.

Nossos respeitos, em nome da Academia Passo-Fundense de Letras, ao Tio Mena!

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