OPINIÃO

As sociedades literárias e os escravizados no Rio Grande do Sul

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A fala do presidente da Academia Rio-Grandense de Letras, acadêmico Airton Ortiz, por ocasião da entrega dos troféus aos agraciados com o Prêmio Literário 2024 da entidade, na noite de 12 de dezembro de 2024, que deu azo a um constrangedor episódio, com repercussão nacional, pela infeliz conotação racista de palavras usadas em discurso improvisado, mais do que o pedido formal de desculpas e a retratação pública, que vieram, frise-se, suscita a reflexão sobre o tamanho da nossa ignorância quando o assunto é a história das sociedades literárias gaúchas e a sua relação com o tema da escravidão.

Felizmente, para aplacar a nossa ignorância, foi, depois de 9 anos, desde que iniciado o trabalho, recentemente, lançada a coleção “História da Literatura no Rio Grande do Sul”. A obra, em seis volumes, foi organizada pelo Professor Luís Augusto Fischer e tem os capítulos assinados por especialistas das mais diversas universidades gaúchas e brasileiras, que retratam o quadro da literatura que é produzida no Estado, desde os seus primórdio até os tempos atuais. É pela leitura do volume 1, que trata do período formativo, que, de fato, podemos melhor entender a relação histórica entre as sociedades literárias e os escravizados no Rio Grande do Sul.

Seguindo os passos de Antonio Candido, que, na sua obra clássica, “A formação da literatura brasileira”, julgou conveniente distinguir manifestações literárias de literatura propriamente dita, Mauro Nicola Póvoas, que é professor de literatura no Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), entende que literatura mesmo, no Rio Grande do Sul, com o lançamento de obras e autores se relacionando com leitores, começou, de fato, com a Sociedade Partenon Literário e a sua Revista Mensal, no final da década de 1860. Não obstante, houve, antes deste fato, na Província, algumas manifestações de uma literatura ainda em formação. Especificamente, a publicação, em 1823, do livro da poetisa Maria Clemência da Silveira Sampaio, “Versos heroicos”. Na verdade, um opúsculo de 8 páginas, uma espécie de ode à aclamação de Dom Pedro I, em 12 de outubro de 1822, que foi impresso no Rio de Janeiro, pela Imprensa Nacional. E o livro de Delfina Benigna da Cunha, a poetisa cega de São José do Norte, “Poesias oferecidas às senhoras rio-grandenses”, que é considerada a primeira obra literária impressa na Província, em 1834, pela Tipografia Fonseca, de Porto Alegre. E, se quisermos, podemos incluir, em 1847, a publicação do livro “A Divina Pastora”, do médico homeopata José Antônio do Vale Caldre e Fião. Destaca-se que essa obra veio à luz apenas três anos depois do livro “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844, e que é considerado o marco inicial do romance nacional, estando, “A Divina Pastora”, por motivos ignorados, sumida das bibliotecas por 145 anos, até ser descoberta e reeditada pelo selo RBS, em 1992.

Então, admitindo-se que, literatura, no Rio Grande do Sul, começou com a Sociedade Partenon Literário, fundada em Porto Alegre, no dia 18 de junho de 1868, e a sua Revista Mensal, que circulou durante 10 anos, cabe indagar sobre a relação que pode ser feita entre essa sociedade literária e a temática dos escravizados, suscitada no titulo desta coluna? Não é difícil identificar, no âmago da Sociedade Partenon Literário, a comunhão de interesses, entre os seus membros, nos campos políticos, sociais e culturais.

A Sociedade Partenon Literário defendia, politicamente, a República; a emancipação da mulher, visível nos discursos de Luciana de Abreu; o estímulo à Educação, com aulas noturnas gratuitas; e denunciava, publicamente, a escravidão, com os seus membros engajados em produzir uma literatura combativa e abolicionista. Inclusive, consta que, nos saraus poéticos da Sociedade, havia momentos de alforria de escravizados. O que não deixa de levantar o questionamento, a “liberdade” seria conquista dos negros ou benevolência dos brancos, buscando reparar uma injustiça histórica? Ainda que pareça, não há e nunca houve a decantada benevolência da “branquitude”, para usar a expressão da escritora Eliane Marques, com os negros. A crueldade do trabalho dos escravizados nas charqueadas sulinas era de tal monta, que, não raro, o suicídio era a melhor saída.

A figura de proa da Sociedade Partenon Literário é Apolinário Porto Alegre. Autor prolifico, transitou por todos os gêneros, e, assim como, nos demais “parteonistas”, a escravidão era um tema muito presente na obra de Apolinário Porto Alegre. Aparece, em tom de denuncia social, em “O Vaqueano”, romance de 1872, na lenda do ressuscitado, quando o menino escravizado pergunta por qual motivo o homem branco chora quando morre um parente ou amigo e o negro ri? E a resposta de Mãe Maria: é que o negro, após morrer, retorna para a sua terra ancestral na África.

E assim como surgiu e foi muito ativa, por mais de uma década, sabe-se lá por quais motivos, embora se imagine, a Sociedade Partenon Literário encerrou atividades em meados da década de 1880. E o resto é história.

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