OPINIÃO

Fé, Esperança e Caridade

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Inspirado no nome da “Sociedade Espírita Fé, Esperança e Caridade”, a tradicional FEC, sediada em Porto Alegre, surgiu, no começo dos anos 1980, um improvável time de futebol da Casa de Estudantes das Faculdades de Agronomia e Veterinária, a CEFAV, autodenominado, pelos seus atletas e torcedores, de FEC Futebol Clube. A CEFAV, originalmente, fora inaugurada em 1960, como Centro Residencial da Escola de Agronomia e Veterinária da URGS. A Universidade do Rio Grande do Sul, sigla URGS, surgiu em 1947, a partir da então Universidade de Porto Alegre. Foi somente em 1965, que essa instituição assumiu a denominação de Universidade Federal do Rio Grande do Sul e passou a adotar a sigla UFRGS.

A CEFAV está localizada na Avenida Bento Gonçalves, 7712, junto ao Campus da Agronomia da UFRGS, em Porto Alegre. No início dos anos 1980, começou o processo de mudanças nas chamadas moradias estudantis da Universidade. E a CEFAV, até então exclusiva para alunos da Agronomia e da Veterinária, especialmente pela proximidade com o novo Campus do Vale, passou a receber também estudantes de outros cursos. E mais, houve a transformação, por obra e graça do pioneirismo de algumas alunas, que aceitaram o desafio, para moradia mista. Então, foi assim que na CEFAV, onde grassava a pluralidade, ao aproximar atores muitos diferentes, chegou-se bastante próximo do ideal do que se poderia considerar um ambiente universitário de verdade, ao mesclar estudantes de graduação e pós-graduação de diversos cursos da UFRGS.

Nos anos 1980, o prédio de três pavimentos da CEFAV estava dividido em “alas” (ou facções se preferirem). Havia a “ala dos gaudérios”, majoritariamente formada por estudantes da Veterinária, embora também existissem alunos de outros cursos nesse grupo, que primavam pelas tradições gauchescas, estimulados pelos festivais nativistas, que, no rastro da Califórnia da Canção de Uruguaiana, se multiplicavam por todo o Estado. Gente que para matar a saudade dos pagos chegava ao desatino de despejar creolina (um desinfetante de instalações rurais de odor acentuado e característico) nos corredores só para sentir o cheiro de galpão. Evidente que faziam isso para provocar os demais moradores. Tinha a “ala dos quase normais”, o quase, aqui posto, advém do fato que normais mesmos, vistos de fora, talvez até existissem, mas eram raros. A preocupação desse grupo, acima de tudo, era com os estudos. E havia a “ala dos cultuadores das plantas sagradas”. Nessa ala, em que a diversidade dava o tom, incluíam-se estudantes das ciências agrárias, sociais, exatas e um grupo flutuante de pessoas que, com muita frequência, era visto nas dependências da moradia estudantil, mesmo que não sendo constituído por residentes. Gente entusiasta de Carlos Catañeda, “A Erva do Diabo”, que discutia o pensamento da Escola de Frankfurt a partir de Herbert Marcuse e o clássico “Eros e Civilização” e lia Adorno com sofreguidão.

O FEC, mais do que um time de futebol, foi um movimento esportivo e cultural do Vale da Agronomia, tendo a CEFAV como ponto de referência. Os jogos do FEC eram anunciados no mural do Bar do Pillon (a rede social da época) e reuniam considerável torcida nas partidas de final de tarde. Cada jogo daria origem a comentários esportivos sobre as vitórias e debates filosóficos acalorados sobre a condição humana. E foi assim que o FEC, pela popularidade que angariou, mesmo não sendo uma turma do curso, foi convidado para participar do torneio disputado pelas turmas de Agronomia, em 1982, representando a CEFAV.

O time do FEC, que começou como brincadeira, pelo entrosamento entre atletas e torcida, acabaria, contra todos os prognósticos, vencedor do campeonato no ano de 1982. Subestimaram o FEC e caíram na armadilha de imaginar que FEC era apenas um codinome para “Fumo e Cachaça” e que as plantas sagradas em torno das quais os atletas e torcedores do time viviam prestando reverências na CEFAV eram outras que não a arnica e a cânfora, usadas para curar lesões. A disputa final foi contra a Turma 78, provavelmente, pois, mesmo entre os atletas que participaram dessa partida, há discordâncias sobre o adversário e quem fez o gol da vitória de 1 x 0. Uns consideram que esse esquecimento poderia ser alguma sequela deixada pela cachaça que era vendida no Bar do Pillon e consumida em copiosas doses e sequer consideraram a possibilidade de algum efeito retardado pelo uso excessivo das ervas sagradas. Uma injustiça com o Edir Pillon, evidentemente.

Os atletas e torcedores do FEC se envolveriam ainda, em 1982, com o Cio da Terra, organizado pela União Estadual de Estudantes (UEE) e realizado de 29 a 31 de outubro de 1982, nos pavilhões da Festa da Uva, em Caxias do Sul, e com o AGROSTOQUE, 27 e 28 de novembro, um festival de música, cine, teatro, poesia e dança, na Agronomia, que o El Niño de 1982 se encarregaria de dar verossimilhança com o Woodstock original, impedindo, pelas chuvas abundantes, a realização das atividades a céu aberto. (Coluna compilada a partir de depoimentos de atletas e simpatizantes do FEC: Arno Kayser, Cézar Augusto Stein, Alexandre Nunes Leite Rosas e outros)

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura

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