Desde 2010, quando a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em conferência realizada em Haia, na Holanda, destacou como imperativa, para que o mundo pudesse lidar, da melhor forma possível, com os desafios impostos pela mudança do clima global, a necessidade do desenvolvimento de uma agricultura climaticamente inteligente (“climate-smart agriculture”), que essa expressão virou lugar-comum de fala nos meios acadêmicos e científicos. Não obstante, passadas uma década e meia, não se avançou muito além de discursos diplomáticos de exortação moral, apesar de indiscutível a relevância de se pôr em prática um modelo de agricultura, de fato, “climaticamente inteligente”.
A agricultura mundial, ainda que não seja a responsável principal pelas emissões dos gases causadores do efeito estufa para a atmosfera, tem, sob sua conta, uma porção dessas emissões que não pode ser ignorada. Sobre ela recai uma parcela de 10-12% do total das emissões antropogênicas. Em especial, no que tange às emissões de metano (CH4), contabilizando 40%, e de óxido nitroso (N2O), 60%. O metano advém, principalmente, das áreas alagadas de produção de arroz e da fermentação gastrointestinal dos ruminantes. E o óxido nitroso pelo uso, em larga escala no mundo, de fertilizantes nitrogenados. Além da porção desses gases que é produzida pelo tratamento de dejetos, no processo de compostagem e/ou na produção de biogás. Indiretamente, na conta da agricultura, admite-se ainda a conversão de florestas para áreas de produção agrícola e o consumo de combustíveis fósseis usados nas operações que envolvem o uso de máquinas nos campos de produção.
Também, não se deve ignorar, que os vegetais, via o processo de fotossíntese, podem ser sumidouro de carbono da atmosfera. Estimativas dão conta que ao redor de 13% do CO2 emitido pelo uso de combustíveis fósseis é absorvido pela vegetação terrestre, anualmente. E não apenas os sistemas naturais e antrópicos perenes (pastagens, florestas e pomares) apresentam essa funcionalidade, pois, conforme demonstrado por Veeck e colaboradores, em 2022 (https://doi.org/10.1002/jeq2.20362), o sistema trigo-soja, no sul do Brasil, também pode ter esse comportamento, especialmente quando se reduz os períodos de pousio (sem plantas vivas cultivadas) entre a colheita e a semeadura dessas espécies.
Os sinais que o clima, em escala global, está mudando são inequívocos. Estão bem-diagnosticados: a elevação da temperatura média da superfície terrestre, que, perigosamente, nos últimos anos, tem se aproximado do nível crítico de 1,5 ºC acima da média do período pré-industrial (1850-1900), podendo chegar a 2,0 ºC (considerados trágicos); e nas maiores frequências e intensidades de eventos extremos causadores de grandes impactos econômicos e sociais, como secas, chuvas intensas (cidades de MG sendo devastadas nesse inicio de 2025), enchentes (soam familiares para nós do Rio Grande do Sul), ondas de calor, furacões, tornados e incêndios florestais (vide o que está acontecendo na região de Los Angeles/USA nesse momento), que se configuram em ameaças reais para o bem-estar da humanidade.
A agricultura, no sentido amplo do entendimento adotado pela FAO, envolve além das chamadas lavouras temporárias (soja e trigo, por exemplo), também as florestas plantadas, os pomares de fruteiras, as criações de animais, confinados ou soltos nos campos, até aquicultura e pesca. Ou seja, atividades econômicas intensivas que contribuem, por serem fontes de emissão de gases causadores de efeito estufa, para a mudança do clima global, e, ao mesmo tempo, sofrem, como poucos segmentos da atividade humana, as consequências dessa mudança.
Um olhar científico sobre a construção de uma agricultura inteligente em termos climáticos, com destaque para as percepções e os desafios que se apresentam, não pode desconsiderar que, nesse caso, as tais práticas de mitigação de emissões devem ser desenvolvidas em paralelo com estratégias de adaptação que aumentem a resiliência dos sistemas agrícolas à mudança do clima global. E, para que isso aconteça, são necessários, ainda, muitos investimentos em ciência, tecnologia e inovação, tanto nas áreas básicas quanto aplicadas. Especialmente, quando se considera que logo, em 2050, precisaremos, em um mundo de instabilidades, garantir alimentação para nove bilhões de pessoas.
Para quem quiser ampliar o entendimento do que seja uma agricultura inteligente em termos climáticos, sugere-se a leitura do artigo recentemente publicado por Yilai Lou, da Academia Chinesa de Ciências Agrárias, e colaboradores, no novel periódico do grupo editorial Elsevier, Climate Smart Agriculture, que está disponível em https://doi.org/10.1016/j.csag.2024.100003.
SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura