OPINIÃO

A dieta de CO2equivalente

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Imagine-se, ainda que a sugestão possa não parecer totalmente verossímil, diante de um prato recém-servido com alimentos que instigam o seu apetite. E não importa que seja um menu autoral, assinado por um chefe com credenciais Le Cordon Bleu, ou uma comida de verdade, ao estilo caseiro, com alimentos saudáveis e equilibrados na composição do prato ou, até mesmo, para desespero dos nutricionistas, um gorduroso hambúrguer composto por ingredientes ultraprocessados e acompanhado de batatas fritas. Agora pense que, em vez de contabilizar as calorias dos alimentos, usando aplicativo instalado no celular, para ficar em dia com a sua dieta, talvez, para a “saúde” do planeta Terra, você devesse se preocupar mais é com a quantidade de CO2equivalente (CO2eq) que foi gasta para produzir aquele prato que está na sua frente.

Não ignore que todo alimento, seja de origem vegetal ou animal, antes de ser consumido, por mim ou por você, nos moldes convencionais ora em uso no mundo, envolvendo cadeias curtas ou longas, precisa ser produzido num estabelecimento rural, a céu aberto ou em ambientes controlados, colhido ou coletado (quando a natureza se encarrega de produzir) e os animais abatidos, transportado para além do local de origem, processado em plantas industriais (nos mais diferentes níveis), embalado, distribuído para os centros varejistas, armazenados em câmaras de refrigeração (em muitos casos) e, antes de ser consumido, cozido (a maior parte da nossa ingestão alimentar não é in natura), adicionando-se, ainda, que os resíduos, ou seja, as sobras ou partes não comestíveis, precisam ser descartados e, idealmente, tratados quando se intenta um destino adequado. Em cada um desses segmentos, que dão forma aos diferentes sistemas alimentares da população mundial, são usados insumos diversos e gasto energia, que, ao cabo, resultam em emissões de gases causadores de efeito estufa para atmosfera, contabilizados em equivalentes de gás carbônico (CO2eq).

Admite-se, embora dados de medições/estimativas locais e setoriais ainda sejam raros, que os sistemas alimentares, em escala global, são responsáveis por cerca de um terço das emissões antropogênicas de gases causadores de efeito estufa (com destaque para o CO2, CH4, N2O e gases Fluorados). E a maior fatia desse um terço é, por ora, creditada à produção agrícola, envolvendo o uso da terra e, em especial, a mudança de uso da terra. Evidente que essa proporção é variável, conforme o comprimento das cadeias de cada sistema alimentar (curtas ou longas), até o alimento chegar ao consumidor final, e o nível de desenvolvimento, agrário ou industrial, de cada nação.

Para que serve essa contabilização de emissões de gases causadores de efeito estufa pelos sistemas alimentares? Há de se indagar o leitor não afeito ao tema. Acima de tudo para que sejam postas em práticas politicas efetivas de redução de emissões de gases de estufa pelos sistemas alimentares, baseadas em dados e não em opiniões. Politicas de mitigação que levem em consideração tanto o lado da produção, não obstante nesse ainda residam as maiores emissões, quanto do consumo dos alimentos. Que não ignorem as mudanças do sistema de alimentação da população mundial, envolvendo hábitos e dietas alimentares e a evolução da tecnologia de produção de alimentos, destacando-se que há indícios de aumento de emissões não diretamente ligadas ao uso de combustíveis fósseis. Ou seja, inventários detalhados de emissões de gases causadores de efeito estufa pelos sistemas alimentares (não só na produção agrícola), locais, nacionais, regionais e integrados na escala global, são cada vez mais necessários.

Em recente artigo publicado no Journal of Cleaner Production (https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2024.144650), que leva a assinatura da pesquisadora da Embrapa Trigo Vanderlise Giongo e colaboradores, são apresentados os primeiros dados, via análise de avaliação de ciclo de vida (ISO 14040, ISO 14044 e ISO 14067), do impacto ambiental causado pelas emissões de gases de estufa relacionadas com a produção de trigo e de farinha no Brasil. O estudo, focado na região de Irati, PR, avaliou a produção, em escala de propriedade rural, transporte, processamento e moagem dos grãos. A pegada de carbono foi de 0,50 kg de CO2eq por kg de grãos de trigo produzido e variou de 0,67 a 0,80 kg de CO2eq por kg de farinha de trigo. No entanto, a maioria das emissões (entre 67 e 98%) foi diagnosticada nos campos de produção do cereal, destacando-se que as oportunidades para inovações com tecnologias de mitigação de emissões devem ser focadas, principalmente, no processo de produção agrícola. Que se avance nesse tipo de análise no Brasil!

Deixo a sugestão, na próxima vez que alguém perguntar qual a dieta de celebridade que você está seguindo, responda: “No momento, sigo a dieta do IPCC, estou cortando CO2equivalente”. Vai ficar bem na foto.

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura


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