OPINIÃO

Monções no Brasil?

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A maioria das pessoas, quando se depara com a palavra “monção”, de imediato, faz relação com uma particularidade do clima do continente asiático e, em especial, com a Índia, o país das monções. E, apesar de que essa temática venha sendo discutida, com mais ênfase, nas últimas três décadas, muitos ainda se espantam ou denotam incredulidade ao ouvirem falar sobre circulação de monção ou clima de monção na América do Sul e, especificamente, no Brasil. Por que esse entendimento é importante? Qual a relação que o regime de monção pode ter com a agricultura brasileira no centro do País? Eis as questões que intentaremos responder nessas breves notas.

A palavra monção (mausim) é de origem árabe. Significa, para sermos sintéticos, estação. Assim, monções seriam, resumidamente, nada mais do que ventos que mudam suas direções conforme a estação do ano por influência de diferenças de temperatura, verão e inverno, entre continentes e oceanos vizinhos. E, agregue-se, atuando, especificamente, na faixa tropical e com reflexos marcantes no regime de chuvas. É por isso que, popularmente, monção, muitas vezes, acaba sendo mais relacionada com chuvas do que, de fato, pela definição acadêmica, com mudança estacional de direção dos ventos (circulação atmosférica).

Entenda-se que as monções estão relacionadas com ventos sazonais que mantém, ininterruptamente, a mesma direção, durante meses. São ventos que sopram, com o mesmo padrão, de uma região mais fria para uma mais quente. No caso do Sudeste Asiático, a monção de “verão”, que pode se estender de maio a setembro, com ventos de nordeste, que trazem ar carregado de umidade do Oceano Índico, superfície mais fria, para o continente que se encontra aquecido, causando chuvas vultosas. E a de “inverno”, que abrange setembro a março, quando a direção desse vento se inverte, soprando do continente, mais frio, para o oceano, mais quente, configura-se a época de seca na região.

No Brasil, até os anos 1990, não se falava em circulação de monções ou clima de monções. Admitia-se, até então, que a principal condição, a de reversão estacional da direção dos ventos nos baixos níveis, quando da mudança a estação seca para a chuvosa e vice-versa, não ocorria; e, portanto, não era atendido o principal pressuposto da definição canônica de monção. No entanto, várias características similares às monções de verão na Ásia são encontráveis em regiões da América do Sul e, em particular, na Região Centro-Oeste do Brasil. Em destaque, nessa parte do País, os verões chuvosos e os invernos secos, que denotam indícios de configuração de um padrão regional de circulação monçônica.

Quando começa a primavera, no Hemisfério Sul, intensifica-se a convecção no noroeste da Bacia Amazônica, com aporte de ar quente e úmido para os altos níveis da atmosfera. Esse ar se desloca para sudeste, formando, no verão, o padrão da banda de nuvens denominada de Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), que é responsável por chuvas intensas em partes das regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. Ao mesmo tempo, ocorre o aporte de ar úmido do Oceano Atlântico e sua reciclagem sobre a floresta tropical, que alimenta esse sistema e mantém as chuvas frequentes e intensas, entre outubro e março, no Brasil Central.

No final do verão, a convecção sobre a Amazônia se desloca para norte, rumo ao Equador. E isso enfraquece as correntes de umidade nos baixos níveis vindas do oeste da Amazônia, em paralelo às incursões de ar seco e frio oriundas das latitudes médias, que marcam o contraste entre estação chuvosa e estação seca no centro do Brasil. Há inversão do vento zonal, no início e no término da estação chuvosa na Região Centro-Oeste. Os ventos que sopram de leste (oeste) nos baixos (altos) níveis, durante a estação seca, revertem para oeste (leste) na estação chuvosa. Eis as razões usadas pelos que advogam que o clima do Brasil Central, com verões úmidos e invernos secos, guarda similaridades com climas de monção.

A importância desse entendimento, em especial para a agricultura brasileira, estaria ligada a previsibilidade do início e do termino da estação chuvosa na faixa tropical. Os impactos do atraso do início da estação das chuvas na região tropical do Brasil podem ser elevados nas culturas de soja e milho, primeira safra, em estados como Mato Grosso e Goiás, e, sem descartar, os desdobramentos em franjas nas regiões Sudeste (MG e SP), Norte (TO) e Nordeste (PI, BA e MA). Os reflexos, nesses casos de atraso da semeadura da soja, também atingem o milho de segunda safra na região. E, para o trigo de sequeiro, que viria como segunda safra, há que se ter clareza que, seja ou não um regime de monções (não se ignore que monções falham), a variabilidade do início da estação chuvosa, no centro do Brasil, é maior do que o final das chuvas. Portanto, atrasar a semeadura do trigo de sequeiro, para além do razoável, no mês de março, seguramente, é correr riscos maiores de perda de produtividade por falta de água.

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