Não sei quanto a você, mas eu ouvi falar, pela primeira vez, em mudança do clima global, em 1988, quando cumpria programa de mestrado em Agrometeorologia na UFRGS. Que sorte ter tido aulas com professores como Moacir Berlato e Homero Bergamaschi, que, em sintonia com o seu tempo, traziam esse tipo de discussão para o seu grupo de orientados. E não ignorem, foi em 1988, que James Hansen, então diretor do Goddard Institute for Space Studies, da NASA, intentou, em vão, até hoje, pelo que tudo indica, convencer os membros do Congresso dos Estados Unidos da América do perigo que a elevação da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera trazia para o futuro da humanidade.
Não obstante ter gerado manchetes nos principais jornais americanos e do mundo todo, o alerta de Hansen e demais cientistas a ele aliados não foi levado muito a sério e, pelo contrário, em vez de serem tomadas medidas para a atenuação do problema, intensificou-se o lobby da promoção da dúvida, de parte da indústria ligada à exploração de combustíveis fósseis, principalmente, que sabia do problema e, fazia alguns anos, vinha se dedicando a promover ações, não raro também financiando “cientistas”, para a produção de informações convergentes aos seus interesses, dando azo ao surgimento dos que chamamos de “negacionistas”, que, ainda hoje, se mostram céticos se há uma crise climática no mundo.
Mas, o esforço de James Hansen e aliados não foi de todo em vão. Em 1988 mesmo, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) se associou com a Organização Meteorológica Mundial (WMO) e foi criado o Painel Intergovernamental de Mudança Climática, o IPCC, contando com 195 países membros, entre os quais o Brasil. Começava a era da produção dos relatórios do IPCC, que podem ser considerados o “padrão-ouro” das informações sobre o clima do mundo. O primeiro relatório do IPCC saiu em1990 e destacou que os gases de efeito estufa estariam elevando a temperatura média da Terra. O segundo, de 1996, seguiu nesse diapasão, servindo de base para a proposta do Protocolo de Kyoto, em 1997. O terceiro, de 2001, antecipou que a elevação da temperatura média da Terra poderia ser maior do que inicialmente se previa. Mas foi no quarto relatório, de 2007, que, claramente, explicitou-se que o aquecimento global era realidade e causado por atividade antrópicas associadas à elevação de gases de efeito estufa na atmosfera, sendo possível a detecção de impactos nos ecossistemas terrestres. O quinto relatório, de 2014, mostrou que os níveis de gases de efeito estufa eram os mais elevados, desde o inicio das medições em Mauna Loa/Havaí (final dos anos 1950), dando o embasamento para o Acordo de Pais, em 2015, e os populares limites, bem-intencionados frise-se, de aquecimento máximo de 2,0 °C e, se possível, 1,5 °C. E o sexto relatório, que vem sendo publicado em partes, 2021, 2022 e 2023, mostra cenários que continuam de mal a pior, se nada for feito.
O fato é que, em 2024, o ano mais quente na história dos registros meteorológicos, ultrapassou-se o limite de 1,5 ºC. As previsões do IPCC não são mais previsões, são realidades. Emergências climáticas, envolvendo eventos extremos, sobressaindo-se secas severas, ondas de calor, incêndios florestais, inundações sem precedentes, furacões e tornados arrasadores, pululam por todas as partes do mundo. Inclusive aqui no nosso Rio Grande amado.
Está na hora de reconhecermos que essa mudança da composição da atmosfera tem consequências no clima. Menos negacionismo e mais visão sistêmica. Não precisa muito conhecimento de física para entender que, num planeta majoritariamente coberto por água (70% da superfície), um aquecimento de 1,5 °C na temperatura média da Terra, deve ser muito maior sobre os ecossistemas terrestres do que sobre as superfícies liquidas (lembrem-se do calor específico elevado da água). Por isso, mesmo cumprindo-se as metas do Acordo de Paris, e mais ainda não cumprindo, como muitos aplaudem, o problema que está posto não será resolvido. Muito mais precisa ser feito.
O Brasil, diferente do que muitos imaginam, não está imune à mudança do clima global. Eventos extremos mais intensos e mais frequentes são partes do cardápio que o futuro (talvez até o presente) nos reserva. Centro-Oeste e Amazônia mais secos. Nordeste mais árido. Sul e suas oscilações climáticas (ora excesso de umidade e ora estiagens severas). Ondas de calor darão a tônica no nosso clima.
Chegou a hora de falarmos menos em mitigação e mais em adaptação. Use-se como exemplo a atual estiagem no Rio Grande do Sul e seus impactos na agricultura. Sim, temos de buscar a construção da resiliência da nossa agricultura, investindo pesado na geração de inovações tecnológicas disruptivas, seja pela via da genética de plantas e/ou por práticas de manejo.
Um Estado que recebe, anualmente, ao redor de 2000 mm de chuva não pode se igualar a uma região semiárida. Agora, sem investimentos, público e privado, na geração de ciência e tecnologia para resolver o problema das estiagens, não vamos sair da solução de ocasião: irrigação generalizada (embora a irrigação faça parte da solução). Inclusive, não raro, nas nossas estiagens, podemos encontrar pivôs parados por falta de água e sem falar na disponibilidade de energia. Um exemplo que vem sendo divulgado pelo Professor Douglas Kaiser, da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus de Cerro Largo, é digno de aplausos. A importância, destaca o Professor Kaiser, de armazenarmos mais água no solo, quando chove. Manejar a superfície das lavouras, para que a água das chuvas não escorra, mas sim infiltre onde cai, e construir um perfil de solo, com condições físicas e químicas que permitam o aprofundamento do sistema radicular e aproveitar água até um metro de profundidade é a receita. Os 200 mm de chuva que caíram em dezembro, podem garantir uma boa lavoura de soja capaz de suportar até 50 dias sem chuva. Muita tecnologia pode ser transferida e muitas outras precisam ser desenvolvidas.
Prever, parafraseando Niels Bohr, é muito difícil, especialmente o futuro (essa frase contém ironia).
SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura