Nessa barafunda político-ideológica que estamos vivendo, com rótulos sendo aplicados a torto e a direito, é interessante e até divertido examinar as diversas tendências políticas existentes nas sociedades modernas conforme a classificação feita pelo grande poeta português, Fernando Pessoa (1888-1935). Segundo ele, “na linha geral de vida evolutiva e tendência política, a sociedade se divide em três grupos: os indiferentes, os equilibrados e os desequilibrados”. Vale ressaltar que o poeta português não usa as consagradas expressões “esquerda e direita”.
Os Indiferentes
Ao contrário dos “homens normais e sãos” (expressões usadas por Fernando Pessoa), os indiferentes são aqueles que não se interessam pela vida política de seu país. Eles não contam politicamente, senão pelo significado que possam ter para os sociólogos. Se dividem em dois grupos: os indiferentes por natureza e os indiferentes patológicos. Os indiferentes por natureza seriam as mulheres e as crianças. Em nosso país – não sei em outros – os partidos políticos foram coagidos a candidatar mulheres, num aparente sinal de que Fernando Pessoa tinha razão. Os indiferentes patológicos refletem a perda do sentimento social, uma característica de todos os períodos de decadência da vida de um país. Os indiferentes patológicos são assim chamados porque segundo Pessoa “todo homem normal e são se interessa na vida política, colaborando nela”.
Os equilibrados: conservadores e liberais
Os equilibrados se dividem em duas categorias: os conservadores e os liberais. A predominância dos equilibrados na vida social atesta uma nação com vida política saudável. Num período normal é difícil distingui-los. “São como as duas rodas do carro do Estado.” Os conservadores são aqueles que desejam que o progresso da nação (político, econômico, social) se faça por alterações produzidas dentro dos moldes constitucionais. Para os liberais, o progresso se faz por uma lenta alteração da sociedade, não tanto nem somente dentro dos moldes estabelecidos, mas também por uma progressiva alteração dos próprios moldes constitucionais. São partidos que, hoje, chamaríamos de constitucionais, isto é, partidos que se submetem à ordem constitucional, ao império da lei, ao rule of law, na consagrada expressão inglesa.
O exemplo histórico inglês
As disputas entre liberais e conservadores são difíceis de seguir nitidamente, especialmente num período normal e são. Isso porque ambos são equilibrados e frequentemente se interpenetram e se misturam. Fernando Pessoa cita a Inglaterra como exemplo de disputas políticas equilibradas. Pelo menos desde a chamada Revolução Gloriosa (1688), o progresso daquela nação ocorre por sucessivas reformas feitas conforme as regras constitucionais e não por rupturas revolucionárias, como aconteceu, por exemplo, na França e na Rússia.
Desequilibrados: reacionários e radicais
Veremos na próxima semana como Fernando Pessoa analisa o grupo político que ele chama de desequilibrados, os reacionários e os radicais. Na aparência podem parecer opostos, mas, na realidade, são “absolutamente complementares e idênticos”, diz Pessoa.
LUZ NA CAVERNA
Fernando Pessoa, Páginas de Pensamento Político I – 1910-1919. Coletânea de textos editada pela Publicações Europa-América (Lisboa, 1986).