OPINIÃO

Charlie Brown e Snoopy discutem o Acordo de Paris

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Imagine se, na cena emblemática que Charlie Brown e Snoopy aparecem sentados na beira de um lago, em vez de refletirem sobre a finitude da vida – “Algum dia todos nós iremos morrer, Snoopy!”, assevera um quase fatalista Charlie Brown. Ao qual, um sensato Snoopy se contrapõe com serenidade, “Verdade, mas todos os outros dias não.” – optassem por discutir o aquecimento global e o Acordo de Paris. Eis que, refazendo, ficticiamente, o diálogo da bem-conhecida passagem das tirinhas de Charles M. Schulz, o mesmo Charlie Brown diria, “Em 2024 ultrapassamos o limite crítico de 1,5 °C, Snoopy! Atingimos o ponto de não retorno. O Acordo de Paris perdeu o sentido.”, e, como réplica, Snoopy assim se manifestaria, “Um ano apenas pode não significar nada, Charlie!” O Acordo de Paris indica o limite crítico de aquecimento de1,5 °C, causado pela atividade humana, como média de um período de 20 anos”. E, então, se, no diálogo original, Snoopy conseguiu angariar mais aplausos e adeptos para a sua filosofia de vida, quem você imagina que, nessa última cena, poderia estar com a razão?

A resposta mais sensata, quem sabe, você poderia encontrar lendo o artigo “A year above 1.5 °C signals that Earth is most probably within the 20-year period that will reach the Paris Agreement limit”, dos pesquisadores Emanuele Bevacqua, Carl-Friedrich Schleussner e Jakob Zscheischler, que são vinculados a Universidades e Institutos de Pesquisa da Alemanha e da Áustria, recentemente publicado na revista Nature Climate Change (disponível em https://doi.org/10.1038/s41558-025-02246-9).

Vamos rememorar que, em 2023, a temperatura média do ar da superfície da Terra atingiu 1,43 °C acima da temperatura de referência do período pré-industrial (1850-1900). Além dos fatores antrópicos, especialmente associados com a elevação da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, naquele ano, a presença do fenômeno El Niño, admite-se, contribuiu para tal. E veio 2024, El Niño encerrou o seu ciclo, La Niña se estabeleceu, mas o planeta não esfriou. Pelo contrário, continuou aquecendo. Até que, em 2024, foi quebrado o recorde de aquecimento, registrando-se 1,55 °C. Enquanto isso, emergências climáticas (secas severas, ondas de calor, incêndios florestais, inundações sem precedentes, furacões e tornados arrasadores, entre outras), se espalharam e continuam se espalhando pelo mundo todo, inclusive entre nós. Nesse começo de 2025, por exemplo, estamos, no Brasil, imersos na quinta onda de calor, podendo seus efeitos adversos serem sentidos em boa parte do País.

O destaque dado no artigo de Emanuele Bevacqua e colaboradores, merecedor de especial atenção, é que, as implicações desta superação, em 2024, da meta dos 1,5 °C de aquecimento, firmada pelo Acordo de Paris (COP21-2015), embora não estando bem-claras (mesmo com as emergências climáticas de toda ordem mundo afora), não devem ser ignoradas. Todavia, apesar da dúvida razoável posta pelos autores, por outro lado, acendeu o sinal de alerta que, se, de fato, não for implementada uma política radical de mitigação das emissões de gases de efeitos estufa, o ano de 2024 pode se configurar como o primeiro ano acima de 1,5° C dentro do primeiro período de 20 anos com média de aquecimento global de 1,5°C ou superior; frustrando as expectativas/esperanças postas no Acordo de Paris. Pareceu confuso? Não. A conclusão é muito clara! O ano de 2024, e isso é muito provável, pode ser o marco do início inequívoco da era do aquecimento global de 1,5 °C motivado pela atividade humana. Indica a urgência de que políticas efetivas de cortes de emissões de gases de efeito estufa sejam postas, globalmente, em prática. E, em paralelo, sobressai-se a necessidade de investimentos na construção da capacidade de adaptação a uma nova ordem climática mundial.

Voltando ao diálogo fictício dos personagens peanuts de Charles Schulz, tanto o tragicômico Charlie Brown quanto o sereno Snoopy, na situação posta, podem estar certos. Se aplaudirmos os que negam a adesão ao Acordo de Paris e engrossarmos correntes negacionistas da mudança do clima, não há dúvida que Charlie Brown está com a razão. Mas, por outro lado, se entendermos que a temática da mudança do clima precisa ser levada a sério e que ações relacionadas com transição energética, menos consumo de combustíveis fósseis e mais de energias limpas/renováveis, paralelamente à construção de capacidade de adaptação ao novo clima global, ainda há esperança para o snoopynianos.

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “El Niño Oscilação Sul – Clima, Vegetação e Agricultura” está disponível para download gratuito: https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1164333/el-nino-oscilacao-sul-clima-vegetacao-e-agricultura

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