Esta coluna de conjuntura internacional já havia antecipado o delicado cenário marítimo que se aproxima e reforçado que o atual governo americano colocaria nas águas internacionais, uma série de questões históricas e recentes, do Canal do Panamá ao cenário tarifário e, agora, um questionamento sobre a indústria naval chinesa, o seu crescimento a partir de regras não mercadológicas e os possíveis impactos geopolíticos. Transcorre enquanto fechamos o texto, audiência pública da USTR, agência americana de representação do comércio, diálogo sobre possíveis taxações contra embarcações chinesas em portos americanos.
Contexto
Ainda no governo Biden, mais precisamente no mês de março/24, cinco sindicatos americanos de grande porte entraram com petição na USTR, invocando a seção 301 do Trade Act de 1974, que prevê um mecanismo mais acelerado para possíveis retaliações contra medidas injustas e desleais no âmbito do comércio internacional. A petição elenca uma série de argumentos. Em resumo, aponta como a indústria naval chinesa cresceu de forma acelerada e por mecanismos que não obedeceram a regras de mercado, a partir de empréstimos políticos, aço fornecido por empresas estatais abaixo do preço de mercado, bloqueio de alianças empresariais de empresas chinesas com players do mercado – tudo isso restringindo o comércio americano. Também denunciam a diminuição da resiliência nas cadeias globais pelo excesso de dependência dos chineses. Para se ter uma ideia, hoje os EUA possuem cerca de 80 navios contêineres comerciais em serviço, enquanto a China mais de 5,5 mil embarcações, produzidas fora de um ambiente competitivo, pressionando a indústria naval/logística americana, reduzindo empregos e investimentos.
“Fusão Civil-Militar”
Outro conceito evocado no relatório publicado pela USTR em janeiro de 2025, relativo ao processo investigativo suscitado pela petição, é o da “fusão civil-militar”, ou seja, como a China vem alocando, de forma não transparente, o fluxo de capital dentro de sua indústria naval – fazendo com que esse capital modernize a Marinha chinesa, em um ecossistema confuso e pouco transparente, divulgando dados muito inferiores aos projetados por especialistas sobre gastos militares. Assim, a USTR considera que há implicações geopolíticas, por não se tratar apenas de produção naval comercial (em termos desleais), mas também pela confusão acerca do fluxo de capital dessa indústria, reduzindo os custos da modernização da Marinha chinesa e criando, assim, riscos geopolíticos e à segurança internacional.
Cenários
A mídia internacional anunciou que o governo Trump poderia impor taxas para entrada de navios chineses nos portos americanos, preocupando as grandes operadoras internacionais, que utilizam navios fabricados na China. Para se ter uma ideia, os principais operadores como MSC (92% da frota é chinesa) e Maersk (79%), além de possuírem pedidos em andamento aos estaleiros chineses. A taxação poderia restringir as operações aos maiores portos americanos, criando congestionamento, aumento do frete e impactos na economia americana. A retaliação será difícil. Todavia, a preocupação de Washington é justa.