Às vésperas do prazo final de escuta pública sobre o programa de concessão do Estado, que prevê a cedência da gestão de sete estradas à iniciativa privada, agentes públicos e entidades representativas do setor logístico atentam aos valores previstos para os pedágios, apontando para os efeitos desse custo à população das cidades locais e à competitividade econômica. O pacote do chamado Bloco 2 de rodovias abrange 32 municípios gaúchos, tem um total de 414,91 quilômetros de extensão e inclui a ERS-135, entre Passo Fundo e Erechim, e ERS-324, sentido região serrana. A estimativa é de que cada quilômetro rodado custe R$ 0,23 ao bolso dos motoristas, valor que já havia sido alvo de críticas ferrenhas durante a audiência pública realizada pelo governo em Passo Fundo, em janeiro.
A concessão do Bloco 2 envolve rodovias localizadas no Vale do Taquari, Serra e região Norte, sendo a ERS-128, ERS-129, ERS-130, ERS-135, ERS-324, RSC-453 e BR-470. A modelagem prevê investimento de R$ 6,7 bilhões ao longo de 30 anos de contrato com a iniciativa privada. Do total, R$ 1,3 bilhão será aportado pelo Executivo Estadual no intuito de reduzir a tarifa de pedágio e agilizar as obras necessárias.
Para custear a reformulação estrutural, o bloco contará com o sistema free flow, com a cobrança de pedágio em fluxo livre, sem praças físicas. A tecnologia funciona por meio de pórticos instalados nas estradas, que fazem a leitura da placa ou de um chip nos veículos. Serão 24 pórticos instalados nas rodovias do Bloco 2. Nesse modelo, a cobrança é proporcional ao trecho percorrido; o usuário paga conforme circula nas estradas.
Considerando os pontos que sediarão os pórticos, conforme o divulgado pelo Palácio Piratini, no trecho entre Passo Fundo e Erechim, por exemplo, serão quatro unidades de cobrança na ERS-135: no km 18,44, em Coxilha, a taxa prevista é de R$ 4,84; no km 30, em Sertão, de R$ 4,04; no Km 46, em Estação, de R$ 4,26; e no km 65, em Erechim, R$ 4,64. Com isso, a viagem de cerca de 80 quilômetros custaria em torno de R$ 18 somente em tarifas para um veículo pequeno. No sentido oposto, entre Passo Fundo e Nova Prata, mais de R$ 25 para percorrer os 113 quilômetros.

“Vai ser o pedágio mais caro do país”
A observação é do superintendente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (SETCERGS), Eduardo Richter. Se permanecer nesse valor, alerta, “afetará toda a população, não somente as empresas”.
Ao expor sua preocupação com o impacto econômico nas cidades da região, Richter compara o projeto estadual a outras concessões pelo país, enxergando uma disparidade entre os valores praticados e o planejado para o Bloco 2. “A gente tem hoje muitas rodovias concedidas e nada parecido. Atualmente, o polo mais caro, o da região de Pelotas, não chega ao nível dessa, de R$0,23 o quilômetro rodado. Temos pelo Brasil várias concessões com valores muito inferiores e investimentos grandes, com cinco pistas, pontos de parada, custando até R$ 0,14 o quilômetro. Isso, de certa forma, vai travar a região, porque a economia gira sobre as rodovias. Precisamos dar condições para ter fluidez, e quando se eleva os custos, automaticamente, acarreta na falta de investimentos das empresas na região. As empresas não quererem mais se instalar nesses locais”, afirmou em entrevista à Rádio UPF.
Conforme entende, a concessão é uma alternativa necessária na atualidade para dar conta das demandas de infraestrutura no Rio Grande do Sul, no entanto, é preciso ponderar sobre os custos à população. “Sabemos por estudos que, infelizmente, em todo o mundo, a concessão de rodovias é cada vez mais uma realidade. Se deixar para o governo, será sucateado, também aumentando os custos de operação e à economia. Precisamos pegar modelos que estão funcionando e tentar diminuir o impacto que isso trará para a sociedade, para não travar a economia nesta região, que é muito pujante e precisa de boas estradas”.
Uma posição semelhante expressou o presidente da Câmara de Vereadores de Passo Fundo, Gio Krug (PSD), durante Sessão Plenária nessa semana. As dificuldades do Estado em arcar com as obras reivindicadas levam à percepção de que a parceria com o setor privado seja a alternativa viável. “Não é novidade que o Estado é inoperante e incapaz de fazer uma rodovia digna sem cobrar pedágio, para trazer desenvolvimento para uma região. Aí está o questionamento sobre ser contra totalmente aos pedágios, pois aí o desenvolvimento não vem, como é a situação da ERS 324, entre Passo Fundo e Marau, a rodovia da morte. Mas da forma como o governador está tentando implementar os pedágios não é aceitável”, opinou.
Câmara aprova Moção de Repúdio
O presidente da Câmara se manifestou durante a Sessão Plenária de segunda-feira (10) quando foi aprovada a Moção nº 3/2025, de autoria da vereadora Ada Munaretto (PL), que repudia a instalação de novos pedágios nas rodovias do Norte do estado. De acordo com a proposta – aprovada por unanimidade –, os valores praticados serão muito altos, o prazo de 30 anos será muito longo, a distância entre as praças será muito pequena e com os novos pedágios haverá “aumentos generalizados de produtos e serviços essenciais como energia elétrica, gás, combustíveis, alimentos, planos de saúde, telefonia, internet, seguros, insumos”.
A vereadora calculou como exemplo a tarifa a ser cobrada dos transportadores. “A viagem vai custar R$ 180 pra o caminhoneiro ir de Passo Fundo a Erechim”, afirmou na tribuna. Aprovado, o documento será encaminhado ao governo do estado e à Assembleia Legislativa.
Na mesma ocasião, Krug lembrou do antigo contrato de concessão que compreendia a BR 386, que, apesar dos valores cobrados, não incluiu a duplicação de uma das vias mais importantes do Rio Grande do Sul. “Há cerca de 15 anos, por um contrato mal feito, se pagava R$ 42 para ir a Porto Alegre, sendo que em Marques de Souza o pedágio era R$ 12, em 2011, com a rodovia sem condições. Hoje, para ir a capital, são três pedágios de R$ 5,50”, comparou, ao fazer referência à nova concessão, que contratualmente prevê a duplicação do trajeto até Carazinho pela concessionária.
São situações como essa, apontou o presidente da Câmara, que exigem um amplo debate público. “A comunidade tem que participar. Sou a favor do desenvolvimento, aceito pagar pedágio, mas dentro do justo e necessário”, finalizou.
Custo logístico se espalha
O superintendente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística ressalta que, num país onde o modal rodoviário se sobressai, a elevação nos custos logísticos pode gerar um efeito cascata, chegando ao consumidor final. “Precisamos de rodovias com condições de fluidez, mas que o pedágio seja coerente, sem onerar tanto a população”, defende Eduardo Richter, mencionando que o contribuinte já arca com uma carga tributária destinada a custear a manutenção das estradas. “Não podemos pagar duplicado”, diz.
O SETCERGS integra um grupo técnico que tem analisado a fundo o projeto, para sugerir propostas ao governo, com agendas com entidades e lideranças políticas em diferentes cidades. “Estamos discutindo como fazer para que a concessão seja benéfica para o Estado, municípios, população e para o setor produtivo”, cita. Uma das alternativas, sugere, seria a redução da carga tributária sobre o valor da tarifa.
PedágiosXInvestimentos
Na audiência pública realizada em Passo Fundo, em janeiro, o secretário da Reconstrução Gaúcha, Pedro Capeluppi, explicou que a as tarifas são definidas de acordo com o pacote de obras. “É diretamente influenciada com o volume de investimentos. Sobre o número de pontos de cobrança, o objetivo da automatização é justamente proporcionar uma cobrança proporcional ao trecho percorrido pelo motorista. Uma grande crítica ao sistema de concessões atual que temos no Brasil como um todo é que as praças físicas acabam penalizando aquele motorista que anda um curto trecho e acaba passando pelo ponto de cobrança”, comparou.
Nessa passagem pela cidade, o secretário recebeu da Associação dos Municípios do Planalto (AMPLA) um manifesto com uma lista de reivindicações, incluindo sobre os pedágios e a necessidade de uma análise dos prejuízos de competitividade econômico regional após a implantação do programa. Outra proposta, ao considerar a contrapartida pública já confirmada, aborda a possibilidade de uma participação maior do Estado para viabilizar as obras planejadas, o que impactaria no valor das tarifas cobradas dos motoristas.
Edital deve ser laçando neste ano
Atualmente, o processo de concessão está na etapa de consulta pública. As contribuições e sugestões podem ser enviadas pelo e-mail [email protected] até 24 de março.
Depois disso, será lançado o edital (previsto para o primeiro semestre de 2025) e realizado leilão, na B3, em São Paulo, para definir o vencedor da licitação (cerca de 90 dias após o lançamento do edital). O critério para definir o vencedor será o de menor aporte público conjugado com o maior desconto na tarifa.
Os investimentos serão de R$ 6,7 bilhões, sendo R$ 1,3 bilhão via Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), nos 30 anos de concessão com a iniciativa privada. Somente nos dez primeiros anos serão investidos R$ 4,5 bilhões. Os recursos serão usados na duplicação de 244 quilômetros e a implementação de 101 quilômetros de terceiras faixas.